sexta-feira, 31 de agosto de 2007

10 anos


Faz hoje dez anos que morreu Diana de Gales. Mas ainda não se esgotou o filão: num documentário que vi há pouco na TV, os directores de um famoso tablóide inglês gabavam-se de que a morte da princesa tinha sido o seu melhor negócio de sempre. E diziam deliciados, sorrindo maliciosamente para o entrevistador: "Ainda hoje, passados todos estes anos, uma capa com Diana vende sempre bem, é garantido. Claro que não vamos deixar de falar dela enquanto isso acontecer, e parece-me que vai acontecer ainda por muitos anos mais. Há sempre alguém que não deixa morrer o assunto, e nós cá estamos para dar a notícia. Veja, por exemplo, a história da gravidez. De quem era a criança? Quer melhor bomba?"
É triste o que fazemos da nossa curiosidade, que poderia ser canalizada para descobertas tão mais interessantes. E tão mais produtivas. E tão mais úteis aos vivos.

Bicicletas II

Na minha bicicleta de recados
eu vou pelos caminhos.
Pedalo nas palavras atravesso as cidades
bato às portas das casas e vêm homens espantados
ouvir o meu recado ouvir a minha canção.
Na minha bicicleta de recados
eu vou pelos caminhos.
Vem gente para a rua a ver a novidade
como se fosse a chegada do João que foi à Índia
e era o moço mais galante que havia nas redondezas.
Eu não sou o João que foi à Índia
mas trago todos os soldados que partiram
e as cartas que não escreveram
e as saudades que tiveram
na minha bicicleta de recados
atravessando a madrugada dos poemas.
Desde o Minho ao Algarve
eu vou pelos caminhos.
E vêm homens perguntar se houve milagre
perguntam pela chuva que já tarda
perguntam pelos filhos que foram à guerra
perguntam pelo sol perguntam pela vida
e vêm homens espantados às janelas
ouvir o meu recado ouvir a minha canção.
Porque eu trago notícias de todos os filhos
eu trago a chuva e o sol e a promessa dos trigos
e um cesto carregado de vindima
eu trago a vida na minha bicicleta de recados
atravessando a madrugada dos poemas.
(Manuel Alegre)
Nota: Est post foi modificado. Os Queen e a sua Bicycle Race ficam para a próxima. Il Postino, de Ennio Morricone, vem mais a propósito para este belo poema, oferecido pelo meu amigo MC.

Modernidade


«Meu homem moderno tem orgasmos longos, erecções vítreas e telescópicas, meu homem feliz é bem informado e cínico, conhece bem as tragédias modernas mas se lixa para elas, não por maldade mas por uma crua "maturidade", um alegre desencanto. Meu homem vive em velocidade. O mundo da Internet, do celular, do mercado financeiro global imprimiu-lhe seu ritmo, dando-lhe o glamour de um funcionamento sem corrosão, uma eterna juventude que afasta a morte.

Meu homem feliz intui, confusamente, que a aventura da verdadeira solidão é apavorante. Daí ele evita que qualquer profundidade existencial possa pintar, que a ideia de morte e finitude apareça à sua frente, senão sua "liberdade" ficava insuportável. E aí ele passa a viver um paradoxo: ligar-se sem ligar-se. Ele percebe que precisa do casamento protector como uma esperança de "sentido". Aí, ele se casa, entre risos dos amigos, como se tivesse cedido a uma fraqueza. E viverá infeliz, numa eterna insatisfação»
Teresa Ribeiro, no Corta-Fitas, citando o sempre cáustico e certeiro Arnaldo Jabor, que também disse isto:
«Brevemente ouviremos a aeromoça falando: "senhores passageiros, em caso de assalto cairão automaticamente à sua frente coletes de aço e capacetes protetores contra tiros. Coloquem, e depois tenham calma com os ladrões. Não invadam a primeira classe, toda blindada e equipada com kits de sobrevivência, com champanhe e caviar para sequestros de longa duração.»
E ainda isto: «A miséria não acaba porque dá lucro».

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Lohengrin


LOHENGRIN
(Prelúdio, I acto)

Melodia infinita
Haikai mais-que-perfeito
Lírico anil de violinos, flautas
e auroras boreais

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Limpeza geral


Segundo a revista Visão, parece que António Costa começa hoje a limpar Lisboa.
Boas notícias, portanto.

Uma sugestão: Já que pegou na vassoura com tanta genica, senhor Presidente da Câmara, que tal começar por limpar a casa? Parece que está infestada de parasitas, instalados e de casa posta em tudo quanto é frincha, há tempo de mais.
É que, se os deixa estar, com este calor reproduzem-se que é um caso sério.
Uma desinfestaçãozinha era boa ideia.

Diálogo de surdos


Vamos lá ver se chegamos a um common sense. Será que o homem não diz coisa com coisa, ou será que o defeito é meu?
Em Joe Berardo, os nossos repórteres encontraram alguém à sua altura: eles fingem que perguntam, ele finge que responde.

Nota: "Pescado" no BlogoExisto, de João Pinto e Castro.
Depois não digam que sou só eu que embirro com o homem.

Fácil, fácil

Viu como é fácil? Agora experimente com o seu carro.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Vende-se uma ilha


Nas Canárias há uma pequena ilha à venda, de seu nome Montaña Clara. Fica perto de Lanzarote, e os seus donos (uma única família, porque a ilha é propriedade privada) pedem, pelos 2,7 milhões de metros quadrados, 9 milhões de euros.
O assunto tem levantado grande polémica, porque o estado espanhol pretende expropriar a ilha e fazer dela um parque natural. Os proprietários não se conformam com a decisão, mesmo sabendo que não será fácil vendê-la por um valor tão alto, uma vez que nenhuma construção é permitida lá.
Entre os comentários que encontrei num forum sobre este tema, destaco estes:
" Seguro que EE.UU la invade con la excusa de que hay armas de destrucción masiva....."

" Si la comprara un catalan y funda la republica de catalunya?"

" A ver cuando comienzan a expropiar las dentaduras de nuestros antepasados."

" Sabeis que los Estados Unidos compraron Alaska y que habia mucha gente que pensaba que era una locura comprar una gran extension de terreno que solo sirve para que vivan las focas? Hoy es su principal reserva de petroleo."

" 9 millones de euros, y no te dejan siquiera hacer una casa???????????????"
Lembrei-me de que talvez José Saramago, vizinho ilustre, queira comprá-la para fazer dela a capital da Ibéria...

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Tempo e silêncio

Tiempo de silencio - Cesária Évora e Pedro Guerra


Fogo do Inferno?


No Peloponeso, uma mulher e os seus quatro filhos foram encontrados, abraçados e carbonizados, dentro do carro em que tentavam fugir do incêndio que consumia a aldeia em que viviam.
Cruel ironia: ao contrário do resto da população daquela aldeia, se tivessem ficado em casa ter-se-iam salvo, já que a sua casa foi a única que as chamas pouparam.
É difícil não pormos tudo em causa quando ouvimos notícias como esta. Muito difícil. Um Deus infinitamente clemente que ama os seus filhos e só lhes quer bem, como aquele em que me ensinaram a crer, permite que uma mãe tenha a consciência de que matou os filhos por ter feito uma opção lógica, que se destinava a salvá-los? E permite que quatro crianças morram assim, gratuitamente, de uma forma inimaginável? Porquê?? Para quê??
Todas as mortes violentas são de lamentar - e ainda mais as de inocentes - e estas não foram as únicas vítimas dos fogos que estão a destruir a Grécia. Nem sequer foram as únicas crianças a morrer neles. Mas há sempre um quadro que se torna mais insuportável, uma imagem que nos toca particularmente e nos faz desabar. E este episódio, relatado ontem em todos os jornais televisivos, foi a gota de água que fez transbordar a minha taça de tolerância ao horror.
Apetece-me gritar Augusto Gil: "Mas as crianças, Senhor? Porque lhes dás tanta dor? Porque padecem assim?"
Nota: O meu post de hoje era para ser sobre os transgénicos e a entrevista de Mário Crespo ao activista Gualter Baptista. Mas, perante isto, tudo o resto me pareceu de uma futilidade idiota.

Lua - 1, Marte - 0


Sinto-me roubada. Estavam prometidas duas luas para hoje e só vejo uma no céu. Linda, redonda e brilhante, mas só uma. Misteriosa, mas só uma. Perturbadora de tão cheia, mas só uma. A sussurrar-me inconfessáveis ousadias, mas só uma.
Há mais de um mês que me chegavam e-mails a recomendar que não perdesse o espectáculo, porque não voltaria a vê-lo, nunca mais, na minha vida (a não ser, claro, que ainda me mude para o Tibete e as autoridades chinesas me autorizem uma reencarnaçãozinha).

Em boa verdade, a segunda lua prometida não era bem uma lua, era Marte. O que tornaria tudo ainda mais interessante: os dois símbolos do feminino e do masculino, reinando nos céus em uníssono e em plena igualdade. Mas nada feito. Os homens não querem nada com mistérios, e por isso Marte não se dignou aparecer. A noite de lua cheia - essa mágica noite que só nós, mulheres, entendemos - continua feminina. Como sempre.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Triplos parabéns


A Nelson Évora, pelo impressionante triplo salto que lhe deu o lugar de campeão do mundo, nos Mundiais de Atletismo que estão a decorrer em Osaka. Não contente com isso, ainda acrescentou 23 cm ao seu próprio record anterior.
Foi das poucas vezes em que vi as televisões darem tanto tempo de antena (em horário nobre, entenda-se) a outro desporto que não seja o futebol. É preciso que os nossos atletas conquistem medalhas de ouro internacionais para terem direito à atenção dos telejornais. Em contrapartida, qualquer arranhão em joelho de futebolista pode dar horas de polémica em todos os canais...


Nota: Nelson Évora tem as suas raízes em Cabo Verde. Será da família de Cesárea Évora?

Carimbo para reencarnar


Esta é a mais incrível notícia que tenho lido ultimamente: num delírio ditatorial que ultrapassa todo o absurdo imaginável, a China fez aprovar uma lei que proíbe os monges tibetanos de reencarnar sem autorização governamental.

Não vislumbro, sequer, um comentário possível a tanta insanidade. Resta perguntar: depois disto, o que poderá surpreender-nos?

A notícia chegou ao mundo via Newsweek. A mim, chegou-me entre as Reflexões de um Cão com Pulgas.
E ainda não consegui fechar a boca.

domingo, 26 de agosto de 2007

Pérolas na Blogosfera V


Desta vez não roubo uma das já habituais pérolas ao JG, do Blog da Sabedoria. Temos uma contabilidade de deve e haver em que eu estou sempre a perder. Por isso vão espreitar, porque esta é das melhores que eu tenho visto por lá. Vale a pena.
Vá lá, sejamos honestos: não somos todos um bocadinho voyeurs, afinal de contas? E hoje é domingo, o dia mais estúpido da semana. Não há muito mais para fazer, pois não?

Um pensamento para domingo

Não sei quem disse isto, mas sei que disse muito bem:

«Quero ter o direito à diferença, quando a igualdade me descaracteriza.
E quero ter o direito à igualdade, quando a diferença me inferioriza.»
Quem fala assim merece todos os direitos.

Boa noite



Ray Charles e Diana Krall - You don't know me
Uma musiquinha para esta noite.

sábado, 25 de agosto de 2007

Brincadeiras perigosas


O Daniel Oliveira , no seu post de hoje O ladrão aceitável, chama a atenção do eterno conflito entre Israel e a Palestina, a propósito dos acontecimentos de Londres. E aproveita para falar também dos de Silves.
Quanto à primeira premissa - o que se tem passado na Palestina - dou-lhe toda a razão. Mas isso não justifica outros abusos, nem que se incentive "crianças" a "brincar" com coisas sérias, como o respeito pela propriedade e pela lei. É um mau princípio chamar brincadeira a um acto de puro vandalismo, seja ele em Portugal, em Londres ou na Palestina, seja num hectare de milho ou num país inteiro. São brincadeiras perigosas, sempre.

Prado Coelho


Eduardo Prado Coelho partiu hoje para o seu Reino Flutuante.
Cedo de mais, porque é sempre cedo de mais quando se tem 63 anos.
Vai fazer-nos falta Tudo o que não escreveu.

Filiações

Perguntam-me porque é que, na minha lista de links, tenho blogs de esquerda e outros de direita. E porque é que, nos meus posts, umas vezes me pronuncio a favor, e outras contra, as ideias de uns e de outros. E perguntam-me qual é, afinal, a minha orientação política.
E agora pergunto eu: porque é que hei-de ter uma? É obrigatório?
Não vou dizer que sou apolítica - tudo é política, afinal - mas sou garantidamente apartidária. Disse-o logo na declaração de princípios que aqui deixei, no primeiro dia deste blog. Gosto de ser livre. LIVRE. Livra!
Será assim tão difícil de perceber? Valorizo actos, ideias e carácteres, e muito mais raramente ideologias e estatutos. Dou preferência a Gente. Apaixono-me por Pessoas e por aquilo de que elas são capazes, em todos os sentidos. Pela capacidade que tantas vezes têm de me surpreender e de me ensinar. Desconfio de Grupos organizados que queiram disciplinar-me o pensamento e os passos. E dou razão a quem acho que a tem em cada momento, seja de esquerda ou de direita, do norte ou do sul, do Benfica ou do Sporting.
Sou individualista e rebelde, eu sei: dificilmente adiro, dificilmente me encaixo, dificilmente acato. Gosto de pensar pela minha própria cabeça, mesmo quando estou errada. E aceito as consequências que daí advêm, nem sempre simpáticas. Mas ofereço e exijo respeito.
Na vida militar, seria um desastre: mataria ou morreria de asfixia, porque a obediência cega não me convence nem me verga. Das utopias, já gosto. Dos improváveis. E até dos supostos impossíveis.
É assim que eu sou. Por isso não me peçam filiações.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Para que serve uma bicicleta?

O meu gosto por bicicletas já provocou reacções, inesperadas e divertidas.
Recebi, de um amigo, esta provocação com uma explicação possível para essa queda por bicicletas (neste caso, mais por selins), sugerindo que afinal é comum ao género feminino. Será?
Anyway, não são bem estas as minhas razões. Mas nunca resisto ao humor.

Mutações


Encontrado no Estado Civil, do Pedro Mexia:

Não tenho nada contra os «organismos geneticamente modificados». Eu próprio gostava de ter um.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

5.000. Quem diria?


Olha, já são 5.000!!

Um brinde ao bonito número de visitantes deste blog, em menos de 4 meses de existência.
Obrigada a todos.
Já que brindamos com Verdi, que seja também com um bom Verdelho. E porque não um queijinho de Azeitão, para ajudar à festa?

O estranho mundo dos Pimbas

Via Corta-Fitas, descobri esta pérola do YouTube.

A Débora Silvana (!), filha do consagrado pimba Nel Monteiro, é uma criatura transgénica: tem 18 anos mas parece ter 5, usa extensões e nuances nos cabelos que lhe chegam aos joelhos, adora pulseiras "de mulher", "faz coreografias" e quer ser cantora quando for grande (mas ela já tem 18 anos, está à espera de quê?).
É pena que tenha esse sonho, porque é de uma desafinação confrangedora. Sai ao pai. Mas se a profecia se cumprir, aos 81 ainda a teremos por cá, sobre um palco. Valha-nos Deus.
Verdes eufémios, onde andam vocês? Não querem fazer-nos a caridade de acabar com esta desgraça?

Bicicletas I

Vá-se lá saber porquê, gosto de bicicletas. Já por aqui passaram nove milhões delas duma vez só, vindas de Pequim. Hoje, apenas uma. Mas hão-de entrar muitas mais por esta Porta do Vento, para fazer uma colecção que começa agora. Com esta, original e comestível:





Bicycle Song.mp3




quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Memória


Um único objecto


São tantas as coisas que se misturam
para que a memória devolva um único objecto:
as toalhas e um cântaro com água, uma caixa de música,
as manchas da humidade nas fotografias

da parede, a chuva a bater nos vidros da janela,
a escaleira de pedra, uma árvore. Mas antes
a água primeiro escorrendo num fio por entre
os caules das ervas; as argilas, os finíssimos grãos

da aluvião; uma horta defendida pelos muros
altos; os matos; o bosque: só depois
o segredo de curar ou enlouquecer
tocando com as mãos nos ombros das crianças

só depois da casa e dos caminhos de terra
batida; só depois dos minúsculos açudes e do labirinto
dos canais de rega; só depois das sementes
espalhadas num chão lavrado; só depois do fogo

e do rumor do vento nos arames das vinhas.
São tantas as coisas que se misturam
para que a memória devolva um único objecto:
a faca de cortar o pão.

(José Carlos Barros)

Imagem - Exploding Raphaelesque Head, de Salvador Dali - in O Século Prodigioso

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Eufémia transgénica


Tenho acompanhado, como todos os portugueses, o inacreditável caso da ceifa terrorista de um campo de milho privado e legal, transgénico ou não. Esperei uma atitude imediata de condenação deste óbvio acto de vandalismo, mas nada. Sócrates, do alto do seu eterno Olimpo, nem se dignou tocar no assunto. O ministro da Agricultura titubeou, a GNR desculpou-se com a falta de BIs para uma correcta identificação dos manifestantes (!!!!!), o agricultor lesado praticamente não foi ouvido (será que vai ser indemnizado, ao menos?).
Não há muito mais a dizer sobre este assunto, no mundo da blogosfera. Muitos têm tratado o tema à exaustão, de forma séria, com opiniões sustentadas sobre factos comprovados. Não tenho a pretensão, portanto, de acrescentar muito ao que já foi dito, redito e visto de todos os prismas. Sugiro a leitura desta notável recolha feita pelo Afonso Reis Cabral, no Janelar, a quem ainda não saiba toda a história.
E limito-me a fazer uma brevíssima reflexão: mais de 30 anos após o 25 de Abril - 33 anos de democracia plena (ainda que bamba e imatura, às vezes) - constato esta coisa extraordinária: que ainda não nos livrámos de um terrível complexo de esquerda que nos acompanha desde esses inflamados anos da revolução.
Ficamos paralisados perante um acto de puro terrorismo e não conseguimos condená-lo inequivocamente, porque no nosso espírito pairam ainda as Catarinas Eufémias, mártires desses tempos idos. Aliás, não foi por acaso que este pretenso "movimento" recebeu o nome de Verde Eufémia. Como se fosse a mesma coisa, agora. Como se um grupelho de meninos urbanos em férias, não identificados e de cara tapada, fosse comparável aos trabalhadores rurais de então, mouros de trabalho e muitas vezes humilhados, que exigiam uma vida mais digna, embora claramente manipulados por uma máquina partidária implacável e bem afinada que se encarregava de manter ao rubro o ódio aos patrões, antes latente.
Não, ainda não nos livrámos desse complexo de esquerda. Do medo de sermos apelidados de fascistas ou de sermos conotados com uma direita saudosista, só porque nos insurgimos contra a selvajaria explícita e gratuita. Contra a justiça feita pelas próprias mãos, num estado de direito. Esquecemo-nos de que o agricultor cuja seara foi destruida não é um latifundiário ricaço e arrogante, mas um homem de trabalho. De muito trabalho e de muito esforço e de muita luta, como só quem ainda teima em fazer agricultura neste país é capaz. Ao pobre homem não bastavam os imponderáveis de um clima em permanente mutação e a concorrência de uma comunidade europeia onde todos os outros são mais poderosos do que ele. Não. Tinha que levar ainda com um bando de verdes eufémios a brincar aos ceifeiros, para inglês ver. Ou para Bloco ver. Não é justo. Podiam antes ter ido queimar os carros dos paizinhos, que também poluem e também fazem mal à saúde. Mas isso já não tinha graça. Os transgénicos é que estão a dar.
Uma pergunta: Não estará esta Eufémia, assim verde e reencarnada 30 anos depois, também ela geneticamente modificada?

Cantos de Cisnes


Parece que é desta vez que os Rolling Stones se despedem dos palcos, definitivamente. Um último concerto - em Londres, noblesse oblige - já foi anunciado, o que significa a rendição dos músicos à passagem do tempo: Mick Jagger tem 64 anos, Keith Richards tem 63, Charlie Watts tem 66 e Ronnie Wood tem 60.

Vi-os no concerto que deram em Lisboa, há cerca de dez anos: ainda electrizantes, ainda incansáveis, ainda irreverentes, enfim, ainda míticos. Ao deste ano não quis ir, porque me pareceu impossível que tudo isto voltasse a repetir-se, passados tantos anos. E ainda bem que fiquei com essa imagem de Mick Jagger na memória, enchendo o palco de uma energia e sensualidade como muito poucos outros conseguiram alguma vez, mesmo muito mais novos. Mas tudo tem limites. O concerto deste ano foi, segundo ouvi, um espectáculo triste. Com defesas compreensíveis, claro, mas dispensáveis ao nosso imaginário. A idade não perdoa a ninguém, e os mitos querem-se... mitos.
Também outro mito, Elton John, gravou um DVD (que estará nas lojas em Outubro) de um concerto ao vivo em NY, precisamente no dia em que fez 60 anos. No DVD, que terá o título de Elton 60: Live at Madison Square Garden, ficaram registados muitos dos temas inesquecíveis do seu quase infindável repertório.

Mas Elton John é um caso diferente: as melodias calmas e o registo intimista dos seus espectáculos - um homem e um piano, quase sempre - permitem-lhe uma vida mais longa sobre os palcos, se assim o quiser.
Eu, pelo menos, gostava muito que ele não se calasse ainda. E muito boa gente estará comigo neste desejo.

A bem da decência


Como as coisas mudam!
Esta é uma fotografia de uma cena comum nas praias dos EUA, cerca de 1922. A lei não permitia que a altura das saias dos fatos de banho fosse superior a 15 cm acima do joelho.
Nesta fotografia, um fiscal zela para que a lei seja cumprida. Caso contrário, as sereias seriam multadas por desobediência e teriam que sair da praia.

Nota: "Roubado" hoje no Blog da Sabedoria, do JG.


segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Aplauso


É tão vulgar ouvirmos e lermos notícias sobre nepotismo, corrupção, mau uso de dinheiros públicos, etc, que já estranhamos, infelizmente, as notícias que nos falam de gente influente que junta, ao poder, o altruismo e o carácter.
Mas, de vez em quando, uma dessas notícias vem dizer-nos que nem tudo é mau, que ainda há pessoas que não só não se deixam corromper como pensam, em primeiro lugar, no bem comum.
Foi o caso dos administradores do Hospital Pedro Hispano, de Matosinhos. A notícia é de ontem, e fez-me ir para a cama com mais fé na humanidade: tendo visto negado o pedido para uma verba que lhes permitisse comprar equipamento importante para o Hospital, os administradores do Pedro Hispano prescindiram de uma outra verba, essa aprovada, para compra de novos carros para si próprios. Em vez disso, usaram esse dinheiro para comprar o tal equipamento em falta, que permitirá ao Hospital atender melhor os seus utentes e classificar-se como uma unidade mais moderna e eficiente.
O meu aplauso a estes administradores, e espero que este exemplo incentive muitos outros a dar, como eles o fizeram, uma lição de carácter a todos os que usam o poder para a promoção pessoal. Ainda que o façam de uma forma autorizada e perfeitamente legal.

Latim


CARPE DIEM,
tinha ela escrito na t-shirt, em letras fluorescentes.

Mas afinal o latim não era o seu forte: tudo o que fazia dos seus dias, era carpi-los.


domingo, 19 de agosto de 2007

Pelo Ambiente

BLOGGERS TO UNITE ON BLOG ACTION DAY

15 de Outubro de 2007 foi o dia escolhido para a divulgação na blogosfera de um assunto cada vez mais importante: O AMBIENTE, a sua vulnerabilidade e as terriveis consequências, se não fizermos nada para o conservar. Junte-se a este movimento, increva-se no site BLOG ACTION DAY (só para estatística) e nesse dia faça um post no seu blog, de acordo com os seus gostos, em texto, imagem, video... alerte a "sua audiência" para uma causa que nos toca a todos. Até lá, divulgue esta iniciativa. Até agora já estão inscritos mais de 500 blogs!


The woman in red

Um quadro e suas versões ao passado

Quando Teófilo abriu o estabelecimento, lá estava, por baixo da porta, uma gravura. Quem a botara ali? Recuou-se ele, desde a infância, àquelas professorinhas a quem os meninos de então, ele também, chamavam "fessora". Não. Não era.
— Apenas uma foto de currículo, senhor. O vento. Quem sabe, algum retrato que vazou do cesto — disse a auxiliar das pastas.
O vento. Isto mesmo! O que fazem as empresas com os currículos que lhes chegam aos montes? Afinal, não se sabe de alguém que tenha tomado currículo de volta. As cartas, as fotos, sim. Mas não era uma foto. Nem carta. Um quadro, com aparência de coisa fina: oil on canvas — e, no verso, ilegíveis os nomes, do quadro e do autor.
— Não é fotografia! — disse Teófilo.
A secretária deu o dito pelo não dito. Bem que o assunto poderia ter morrido ali mesmo. Contam que Teófilo pegou a gravura e, cuidadosamente guardou-a. Contam que ele, todos os dias, colocava-a sobre uma mesa imensa, de tampo de vidro, e botava-lhe lupa. Examinava-a repetidamente. Quando entendia que o tamanho estava bom, retocava-a em vermelhos, tudo a partir de um lápis de cor, desses de marcar CD's, que ele antes utilizava para avivar os rótulos do estabelecimento. Pior, mal chegava um freguês, lá estava ele a indagar se conhecia aquela jovem. Muitos, de tão repetidos os interrogatórios, antecipavam-se e, antes mesmo de regatear preços, esclareciam que não.
— Bem que o amigo poderia tê-la visto na quermesse... não?!
Na quermesse! Como se as jovens de hoje fossem à quermesse. Não; ninguém sabia. Não fora encontrada. Outros garantem que o retrato nada teria de misterioso e muito menos a ver com um suposto vendaval, mesmo porque o vento, ali, as janelas fechadas, seria nenhum.
Teria sido assim, de uma outra versão: Teófilo, um dia restaurou um sonho e rascunhou-o no ar. Aliás, “riscou-o” em cima da perna, mal acordara. Correu com toda pressa para o estabelecimento, botou o sonho em papel e remeteu-o, mediante gorda retribuição, a uma sociedade de pintores. Até abriu concurso. Deu instruções, assim e assado. Quando chegou o quadro, um amigo objetou que não havia, naquela pintura, nenhuma referência sobre a parte de baixo. Realmente, olhando-o, não dá para garantir que a jovem tenha algo abaixo cintura. «Claro que deve ter!», dizia ele ao amigo. Realmente, não existe pessoa só do peito para cima. E o resto? Como haveria de ser o resto?
Contam que Teófilo, do alto de suas muitas exigências, não teria reclamado da equipe de pintores, mesmo porque as indicações do sonho a nada mais abrangiam que as partes superiores, tal como está. Dizem que Teófilo padecia do medo pânico de exigir algo a mais, digamos, um novo quadro, de corpo inteiro, pois lhe assaltava o terror de jamais “encontrá-la” se acaso aparecesse nesse novo formato, dos pés à cabeça. Afinal, no sonho, era-lhe somente aquela parte, a de cima. Mostrava-se ela também de lado, mas nem tanto. Sim, a outra manga da blusa, onde estaria a outra manga? Não dá para ver — os cabelos são-lhe longos e espessos. Muito estranho, não?!
Até que um belo dia, um caixeiro viajante deu notícia de um pintor, um certo Allan R. Banks, norte-americano, nascido em 1948. O quadro? Justo aquele da gravura: Hanna. Nada a ver, portanto, com o sonho, aliás, com o pesadelo de Teófilo. O problema é que ninguém acreditou.
Leitor, por obséquio, não me pergunte sobre desfecho. Isto pertence ao passado, algo totalmente inacessível até mesmo aos senhores historiadores. De fato, se dois historiadores se encontram, igual aos críticos de Literatura, desentendem-se imediatamente. O que, pois, dizer dos muitos boateiros que balanceavam dia e noite a vida de Teófilo e seu quadro misterioso?! Sobre o futuro, não! Isto é assunto calmo, o futuro. Todos nós sabemo-lo. Experimente colocar qualquer pergunta no modo “acontecerá”, e a resposta será imediata. Por isto mesmo é que os feiticeiros e adivinhos estão todos desempregados. Inclusive Teófilo.

(Soares Feitosa, in Jornal de Poesia)
Nota: Porque alguém disse que esta woman in red se parece comigo, mas sobretudo porque este conto do meu amigo Feitosa é muito bom, aqui fica a homenagem ao incansável mentor do Jornal de Poesia)

Evolução


As revistas Cosmopolitan e Men's Health publicaram recentemente um estudo sobre Amor e Sexo, feito num universo de mais de 40 mil pessoas de todas as idades e dos seguintes países: Portugal, Espanha, Itália, Reino Unido, Holanda, E.U.A., Brasil, México, Filipinas, China, Ucrânia e Sérvia.

Uma lista de perguntas visava definir o(a) parceiro(a) ideal, tendo como base que se tratava de parceiros para um relacionamento, e não de parceiros ocasionais e inconsequentes. As principais conclusões são agradavelmente surpreendentes, sobretudo se tivermos em conta a quantidade de latinos envolvidos no estudo:

1. Os homens preferem, claramente, as mulheres inteligentes às bonitas.
2. As mulheres preferem homens com sentido de humor a exemplares bons na cama.
3. Apesar disto, as mulheres querem e precisam mais de sexo do que os homens.
4. Todos os inquiridos (de ambos os sexos), querem sobretudo alguém que os faça sentir únicos.
5. Todos, ainda (de novo em ambos os sexos) procuram parceiros que cuidem da sua imagem, mas sem exageros.

Ou seja, parece que a aparência (aparentemente (!)) deixou mesmo de ser uma questão central, e a sua importância raramente ultrapassa as primeiras impressões. Longe vão os tempos em que as mulheres suspiravam por uma virilidade explícita e incontestável, feita de estereótipos ancestrais que envolviam o poder e as proezas físicas. Mas também depressa se esgotou a novidade dos dúbios conceitos de metrosexualidade, surgidos recentemente. Por outro lado, a absoluta hegemonia da beleza também já passou à história, nas prioridades dos homens.

Resumindo, ninguém quer narcisos fúteis, gente centrada em si própria e alheia ao mundo que a rodeia. Ninguém já quer Barbies ou Kens. A humanidade sempre vai evoluindo, afinal de contas.
Devagar, mas vai.

Adress

East of the sun and west of the moon
we'll built a dream house, dear.

sábado, 18 de agosto de 2007

Bom dia!

Impostos


Esta é a nova página da DGCI - Direcção Geral das Contribuições e Impostos.
Consulte calmamente e use como achar melhor...

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Azares


Hoje de manhã fazia muito vento aqui e a chuva ameaçava despencar do céu a qualquer momento. Preparei-me para sair de casa com a sensação de estar a meio do Outono ou nos primeiros dias de uma Primavera fresca, ainda incipiente. Onde está o Verão? Onde estão os dias de sol farto, a pedir banhos de mar? Ainda bem que estou a trabalhar e não de férias, pensei. Pobres dos portugueses que alugaram casas de praia ou espaços em parques de campismo, e têm que inventar actividades para se entreterem debaixo de tecto, para não acabar tudo numa enorme discussão familiar.

No Bangladesh e na Coreia do Norte, as inundações estão a fazer centenas de milhares de desalojados. As chuvas de Verão dos últimos dias destruíram pelo menos 800 edifícios públicos, 540 pontes, linhas de caminho-de-ferro e milhares de hectares de campos de cultivo. A fome e as epidemias alastram.

Mal cheguei à garagem, lembrei-me de que tinha deixado as chaves do carro no 4º andar. Bolas, porque é que sou tão distraída? É raro o dia em que não tenho de voltar para trás, por uma razão qualquer: as chaves, o telefone, um papel importante, qualquer coisa que me atrase e me faça sentir estúpida logo de manhã. Voltei ao elevador, em sentido contrário. A rogar pragas a mim mesma.
O sismo no Peru é o maior dos últimos 50 anos: já provocou mais de 500 mortos e espalhou o caos em cidades como Pisco, uma das mais atingidas, onde as ruas estão pejadas de cadáveres.
A caminho do escritório, já na estrada, o trânsito estava pior do que o costume: um acidente numa das rotundas. Só chapa, nada de importante, ninguém se magoou. Mas entre os mirones ociosos e divertidos, os dois condutores discutiam aos gritos e quase chegaram a vias de facto. Depois lá chegou a polícia, acalmaram os ânimos. Finalmente, o trânsito recomeçou a circular. Uff, que stress!
Os quatro atentados de terça-feira no Iraque são já os mais violentos e sangrentos da história do país, desde a invasão norte-americana, em 2003. Segundo os últimos balanços oficiais, feitos ontem à tarde, foram já extraídos dos escombros, pelo menos, 250 mortos e 350 feridos.

Como uma desgraça nunca vem só, a reunião que eu tinha hoje à tarde foi adiada sine die, o que significa, muito provavelmente, que o negócio não se fará. A desculpa é Agosto, mau mês para decisões importantes, mas palpita-me que houve um recuo. Más notícias, era uma aposta que eu achava já estar no papo. E o trabalhão que já tive com isto?! Bom, avancemos, não vale a pena chorar sobre leite derramado. Mas não consegui fazer muito mais: os telefones estiveram avariados uma boa parte da tarde, assim como o ar condicionado. Há dias em que mais vale não sair de casa.

Após uma canícula com uma duração sem precedentes, que matou nove pessoas no país, a Grécia enfrenta uma vaga de incêndios, que já fizeram dois mortos no centro do país e chegaram ontem à noite às portas de Atenas.

Cheguei a casa irritada e tensa, morta por relaxar um bocadinho antes do jantar. A propósito, havia que fazê-lo, entretanto. Se ao menos tivesse uma empregada interna, ou uma varinha mágica que fizesse tudo por mim! Mas não tenho nada disso. Fui para a cozinha com um suspiro, preparei tudo e finalmente voltei à sala, ao meu sofá preferido. Recostei-me, estiquei as pernas, liguei a televisão. Com tudo isto, estava na hora do telejornal. E ouvi as notícias de hoje...

Ainda os heterónimos



Às vezes sou um coro de vozes dissonantes,
sem maestro que as harmonize
e todas com a secreta ambição
de uma carreira a solo.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Pérolas na Blogosfera IV


Um belo texto, como aliás todas as crónicas do Antônio.
Esta, sobre os heterónimos que temos, todos nós.
Ou muitos de nós.
Ou eu, pelo menos, que cada um fala por si.
Caramba, o rigor dá um trabalhão!

That's What Friends Are For

Uma relíquia, mas sempre actual.
Os amigos são o nosso bem mais precioso. Alguém duvida?

Ninguém o disse tão bem, talvez, como o velho Vinicius. Se não acreditam, leiam isto:

Procura-se um Amigo. Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaros, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer. Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

(Vinícius de Moraes)

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Hable con ella

Caetano Veloso, num dos mais mágicos momentos do filme Hable con Ella, de Pedro Almodôvar. Para mim, que sou fã do maestro espanhol, é a sua obra prima. Depurado de toda a habitual parafrenália kitch e dos excessos caricaturais da tradicional visão do mundo de Almodôvar, este filme, subtil e de uma delicadeza invulgar, trata afinal um tema pesadíssimo e consegue o inimaginável: transformar num autêntico poema um dos mais hediondos crimes que podemos conceber - a violação - ainda por cima a de uma mulher completamente indefesa.
O que nos diz Hable con Ella é que até na maior sordidez pode existir inocência, e até mesmo uma nobreza desesperada que não deixa por isso de ser nobreza e que, vista desse ângulo, redime aos nossos olhos toda a Humanidade.
Se alguém ainda não viu o filme, vá a correr buscá-lo ao clube de video mais próximo.


(Como rebuçados extra, o filme dá-nos ainda as fantásticas coreografias de Pina Bausch e uma banda sonora de 5 estrelas, de Alberto Iglesias)

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

E há dias assado


E há dias assado.

Felizmente, a maior parte.






domingo, 12 de agosto de 2007

Há dias assim


Há dias assim. Inteiros, redondos, assustadoramente completos. Como uma síntese da vida, toda ela, para que não nos esqueçamos de nenhuma das suas etapas. Que começam com uma aurora magnífica, uma verdadeira explosão de vida, e acabam num suicídio colectivo de estrelas desesperadas, como anjos caídos em desgraça. Pelo meio, uma tarde em que a morte nos reclama, lembrando-nos de que até os nossos sonhos lhe pertencem. Que só os temos de empréstimo. A prazo. Há dias assim. Em que até a terra treme e se revolta sob os nossos pés. Em que nada, nem ninguém, pode preencher os interstícios da nossa solidão. Em que um allegro matinal sucumbe sem remédio a um adagio vespertino, que antecipa já, por sua vez, um inevitável requiem nocturno. Há dias assim. Feitos de espanto e de torpor. De glória e de derrota. De risos e de lágrimas. Da luz mais alta e das mais fundas sombras. De caminhos inesperados, improváveis. Impossíveis de percorrer. De um céu aberto por um sol resplandecente e fechado por uma lua nova, embuçada em brumas. Há dias assim. Inteiros, redondos, assustadoramente completos. Como uma síntese da vida.
"Uma ilusão enfuna e enxuga a vela,
Uma desilusão a rasga e molha;
Morta a magia que pintava a tela,
O mesmo olhar de há pouco já não olha."
(Miguel Torga - Ode ao Mar)

Hoje de Manhã


Hoje de manhã saí muito cedo,
por ter acordado ainda mais cedo
e não ter nada que quisesse fazer...
Não sabia que caminho tomar
mas o vento soprava forte,
varria para um lado,
e segui o caminho para onde o vento
me soprava nas costas.
Assim tem sido sempre a minha vida,
e assim quero que possa ser sempre.
Vou onde o vento me leva e não me sinto pensar.

(Alberto Caeiro)

sábado, 11 de agosto de 2007

Noite da Lusofonia


Ontem foi uma noite grande para a Lusofonia. No palco do anfiteatro natural de Alte, no Algarve, a cantora e fadista Katia Guerreiro convidou amigos de vários países de expressão portuguesa, e juntos fizeram magia. Pura magia.

Além de Katia (quanto a mim, a melhor voz que temos actualmente no Fado), Zé Renato (Brasil), Pedro Joia (Portugal), Dani Silva (Cabo Verde), Valdemar Bastos (Angola), e, last but not least, aquele que foi para mim a grande revelação da noite - Manecas Costa (Guiné-Bissau), encheram a noite morna de um Agosto algarvio de sons cintilantes e peregrinos, convocando o que de melhor existe na alma lusófona e confirmando a justeza e o alcance da célebre afirmação de Pessoa: "A minha pátria é a língua portuguesa".

Mais de 500 pessoas assistiram, emocionadas, a esta partilha de talentos e culturas. Entre elas, a primeira dama Maria Cavaco Silva, convidada de honra, acompanhada de filhos e netos. Não está ainda disponível um registo do concerto, por isso deixo aqui dois exemplos da versatilidade de Katia Guerreiro: num fado "Ancorado em mim" (a letra é minha, o que muito me honra), e numa outra parceria lusófona, com o cantor brasileiro Martinho da Vila "Dar e receber" (para o cd Brasilatinidade, de MV).

(Ancorado em mim)

(Dar e receber)

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A arte da fuga


De tanto ouvir Bach, acabou por especializar-se na arte da fuga.


Cinecittà em chamas


Há qualquer coisa de muito tenebroso que paira sobre o cinema, neste verão de 2007. Primeiro, a morte de dois dos mais aclamados realizadores de sempre - Bergman e Antonioni - em menos de 24 horas; e agora, simbolicamente, a morte pelo fogo de material precioso para a memória da 7ª Arte.
Um grande incêndio assolou a Cinecittà na noite passada, evocando inevitavelmente um outro incêndio em Roma - o de Nero, o imperador louco. A notícia diz-nos que não houve vítimas, desta vez. Mas houve, sim. Talvez não humanas, e ainda bem, mas de um género que não podemos ignorar: alguns cenários e material histórico (entre outros, precisamente os da série "Roma", que estava ainda em gravações), guardados nos armazéns que arderam, desapareceram para sempre. O espírito de Nero, reencarnado em cabos eléctricos? Dá que pensar.

(A construção dos cenários para o filme Cleópatra - o antigo Egipto na Cinecittà)

Loiras


Um cego entra num bar, senta-se ao balcão e pede uma bebida. A bebida chega e, depois de algum tempo, diz bem alto:

- Vou contar uma piada de loiras!

Ao seu lado, uma voz feminina faz-se ouvir:

- Só porque és cego, vou fazer-te 5 avisos importantes, que precisas de saber antes de contar essa piada:

- 1.º - O barman é uma mulher loira.
- 2.º - O gerente é uma mulher loira.
- 3.º - Eu sou uma loira de 1, 75m e 90kg.
- 4.º - A mulher ao meu lado é uma loira profissional em Karate.
- 5.º - Do teu outro lado tens uma loira professora de Kung Fu.
Ainda queres contar a piada ?

O cego pensa um pouco e depois responde:

- Não... Deixa lá... Se vou ter de explicar 5 vezes, desisto....

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Equador


Para mal ou bem dos meus pecados, sou descendente de uma família de roceiros em São Tomé: os donos da “Boa Entrada”. Por sinal, felizmente!, os mais poupados no livro Equador, do Miguel Sousa Tavares. A roça fica na parte baixa da ilha, bem perto da capital. Nunca lá fui, mas diz quem a conheceu que era de uma beleza arrasadora. Como, aliás, toda a ilha.
A tal senhora (não identificada no livro) com quem casou Henrique Mendonça, era filha do fundador dessa e de outras roças, entretanto dispersas por outros donos - para nós, a quase lendária “tia Carolina” - e irmã do meu bisavô.

Fiquei feliz, como humanista que gosto de me considerar, por ter confirmado no Equador o que sempre ouvi lá em casa: que os trabalhadores da Boa Entrada tinham condições de vida e de trabalho bastante acima dos das outras roças, e que a roça era considerada modelar, nesse e noutros sentidos. A sombra negra da escravatura não me deixa, assim, muito envergonhada. Até porque, infelizmente (ou talvez não…) não nos chegou às mãos nem um tostão da fabulosa fortuna dessa época, que afinal acabou por ir parar à outra parte dos descendentes, acho que por uma zanga familiar. Tudo é o que tem de ser. A (apesar de tudo) ainda considerável fortuna do meu bisavô, foi gasta integralmente por ele – e com muita imaginação, segundo sabemos – e aos filhos só chegou, valha-nos isso, uma educação primorosa que lhes permitiu ganhar a vida daí para a frente. Voilá!
Mas herdámos desse bisavô outras coisas, muito mais valiosas: o gosto pela aventura, a curiosidade irresistível pelas coisas distantes e diferentes, a paixão das viagens.
Como memória de um passado que poderia ter-nos deixado milionários, tenho guardado religiosamente, há muitos anos, um documento precioso sobre o que era a ilha de São Tomé nesses tempos áureos: uma monografia consagrada à Sociedade de Geografia de Lisboa, organizada e prefaciada pelo próprio Henrique José Monteiro de Mendonça, na qual se dá conta de todos os acontecimentos ocorridos na roça da Boa Entrada, e em São Tomé em geral, exactamente na época em que decorre a história do Equador. Ou seja, mais ou menos entre os anos 1900 e 1905. O livrinho é delicioso e tem uma infinidade de informações precisas sobre o funcionamento de uma roça de cacau: fotografias das instalações, das diferentes fases do ciclo do cacau, dos trabalhadores, estatísticas pormenorizadas de safras, doenças, despesas, contratos e repatriamentos, etc. E mais: as opiniões e relatórios dos inúmeros técnicos estrangeiros convidados a visitar a roça, de viajantes ilustres que por lá passaram, de médicos que lá trabalharam no estudo da malária e da desinteria (a principal causa de morte entre os negros).

Há em todo o opúsculo – é nítida – a preocupação de contradizer, com dados estatísticos e testemunhos abalizados, a opinião veiculada pela imprensa estrangeira, sobretudo inglesa, sobre a existência de mão de obra escrava nas roças. E há episódios ali relatados que dariam, por si só, matéria para vários livros. Confesso, aliás, que o guardei com a intenção de escrever um dia uma história baseada nestes factos. Ficcionada, claro. Acabou por fazê-lo o Miguel Sousa Tavares, e bem melhor do que eu, com toda a certeza.

O regresso do comendador metralha


Aí temos outra vez o inenarrável comendador metralha, que já não fazia piruetas mediáticas há algum tempo. Tudo pela ribalta, que me parece ser o seu deus de estimação e que, palpita-me, vai ser um dia a sua perdição. Estes frágeis feitiços raramente são fiéis aos feiticeiros.

Desta vez, Berardo exige demissões estratégicas e faz, publicamente, insinuações sobre as reais intenções dos "grandes" do BCP. Ou melhor: as de Jardim Gonçalves, o maior dos "grandes" e seu principal rival na batalha sobre o rumo futuro do maior banco português. E Jardim Gonçalves, que até agora tinha ignorado olimpicamente este militante roedor dos seus calcanhares, perdeu a paciência e ameaçou processá-lo.

Não percebo nada do assunto, nem quero. Mas acho que há limites para a impunidade, e que quem vive a lançar estas atoardas tem que saber enfrentar as consequências. Nem tudo pode ser folclore e pirotecnia.


quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Não se medem aos palmos

Dustin Hoffman, um dos meus actores de culto (infelizmente muito desaparecido dos ecrans, ultimamente), faz hoje 70 anos. Aqui ficam dois bons momentos, à laia de parabéns: no filme The Graduate, que o lançou e acabou por transformar-se também num "filme de culto"; e numa entrevista recente.
Este homem baixote e não muito bonito tem ainda uma classe e um charme de arrasar. Digo eu.



Love and bicycles

There are 9 million bicycles in Beijin.
That's a fact. It's a thing we can't deny.
Like the fact that I will love you till I die.