domingo, 30 de setembro de 2007

Praça do Geraldo



Belíssimo, e muito verdadeiro, este texto do Jorge Rosmaninho, no seu Africanidades. Um olhar poético, mas também muito lúcido, sobre a realidade dos nossos reformados. Neste caso, os que ainda têm a sorte de ter uma Praça do Geraldo para passar o dia. Vale a pena ler o resto.

Para acabar de vez com a cultura


Parece-me um erro colossal insistir na utopia de uma "cultura europeia" única, aproveitando a onda de anti-islamismo que reúne consensos no Ocidente.
Primeiro, porque a Europa é, irremediavelmente, multicultural. E ainda bem, digo eu. Essa diversidade é, em grande parte, a sua maior riqueza. E segundo, porque tentar amalgamar à força essas diferentes culturas "por oposição a", ou seja, usando como barricada um ódio comum, é perigoso e dúbio. Nunca este tipo de "frente" feita à pressa deu bons resultados, na história da Humanidade.
Nota: Roubei o título deste post a Woody Allen, assumidamente.

Vozes Grandes

Hoje - dia mundial da música.

Uma voz quase, quase insubstituível.

(Otis Redding)

E outra voz, que prova que não há insubstituíveis.

(Terence Trent d'Arby)

sábado, 29 de setembro de 2007

Time In, Time Out

E por contraste absoluto com o cartaz de Beja, aqui fica a fantástica campanha de publicidade da revista Time Out. Assim dá gosto.



Nota: Roubado no Non-Blog.

Hot Beja


Recebi há dias um convite para um tal "Festival do Amor", em Beja, onde parece que as hormonas do país estão todas concentradas até amanhã. Até aqui, tudo bem. Acho bem que haja festas para todos os gostos, e os fabricantes de vibradores e cuequinhas comestíveis também têm direito a vender o seu peixe.
O que eu condeno e me indigna é a associação do nome de Mariana Alcoforado (era de Beja, sim, mas e então?) a esta descabelada orgia de sabores e sensações. O festival promete "mais de duas dezenas de eventos culturais (em 3 dias?!?!), entre workshops de artes orientais, de dança do ventre, teatro com As Vampiras Lésbicas de Sodoma", e um sem número de outras delícias "onde não faltarão, entre outras atracções, as já incontornáveis barraquinhas de beijos, as tasquinhas com petiscos afrodisíacos" (encabeçados, com toda a certeza, pelas barrigas de freira), e até, pasme-se, "o Rouxinol Faduncho e um show Transformista"!
Tudo isto sob o signo dos furores sensuais da pobre Soror Mariana, que, se saísse do túmulo e voltasse a Beja nestes dias, tropeçaria num cartaz em que a sua sombra chinesa, sentada num coração (de rabo de cavalo e língua de fora) sugere novos programas hot a mil Cavalheiros de Chamilly. E, aposto o que se quiser, morreria de novo.

Fartar Vilanagem

Não vejo qual é o espanto da vitória de Menezes. Bate tudo certo, afinal: Somos um país de masoquistas, e lá que somos muito melhores a dividir do que a multiplicar, isso é um dado adquirido. São feitios...
Venha de lá então o eterno fartar vilanagem que todos conhecemos tão bem.

Bicicletas IV


Bicycle races are coming your way.

So forget all your duties, oh yeah!


Bicycle Race.mp3

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Um HOMEM

Segundo a Lusa, uma marcha pacífica (que nem chegou sequer a realizar-se) em Cuba, a favor de melhores condições para os presos políticos nas cadeias de Havana, acabou com a prisão de 13 dos seus promotores. Até aqui, nada de surpreendente: todos conhecemos a liberdade de expressão que vigora na "democracia" de Fidel. São dela a melhor prova os tais presos - quase todos intelectuais e jornalistas - cujas condições de vida esta manifestação tencionava denunciar.

O que me chamou a atenção na notícia da Lusa foi um pequeno pormenor: um desses manifestantes agora presos, Jorge Luis Garcia Pérez, acabou recentemente de cumprir 17 anos de cadeia pelo mesmíssimo delito, ou seja, discordar do regime no poder e exprimir o seu pensamento.
É a isto que eu chamo ter convicções, ter coragem, ter coluna vertebral.
Fidel Castro e os seus seguidores que se cuidem: é desta matéria que é feito um líder.

Justiça cega


Esta é parte de um texto do Daniel Oliveira, no Arrastão, sobre o chamado caso Esmeralda. Nem sempre concordo com o Daniel, mas desta vez subscrevo integralmente o que ele diz. E não o diria melhor, por isso aconselho o resto da leitura na sua origem.

Basta!


Aplaudo, sem reticências nem pruridos, a atitude de Santana Lopes na SIC. Alguém tinha que fazer o que ele fez, um dia qualquer. Alguém tinha que mostrar-se ofendido com uma atitude ofensiva como esta que o levou a levantar-se e sair do estúdio, em directo. Todos os dias assistimos a estes absurdos televisivos: interrompem-se convidados a meio de uma frase para saltar para uma qualquer notícia de futebol, por mais insignificante que seja. Esta era-o, claramente: a chegada de um treinador de futebol ao aeroporto, vindo de um sítio qualquer e a propósito de nada.

Alguém tinha que tomar uma atitude que demonstrasse o disparate dos critérios que as televisões adoptam por causa da guerra de audiências. Quantas vezes já nos fizeram engolir, como notícia de abertura de noticiário, a publicidade mais descarada aos programas de entretenimento dos canais? Quantas vezes já vimos interromper directos interessantes com patetices sem explicação, fazendo perder o fio à meada a quem estava a desenvolver um raciocínio e a nós, que o seguíamos? Mas o poder dos media é tão grande que ninguém se atreve a afrontá-lo, com medo de perder a hipótese de ser de novo convidado (e de novo interrompido, muito provavelmente). Só Pedro Santana Lopes, que, valha a verdade, nunca primou por atitudes politicamente correctas, teve a coragem de dizer "basta!".

Sei que se vai dizer que é mais uma forma de PSL chamar as atenções para si próprio, que é uma birra "à Santana", etc. Como queiram. Desta vez tiro-lhe o chapéu, porque fez o que tinha que ser feito, fosse por quem fosse. Só tenho pena que não tenha sido outra figura, com maior credibilidade e com menos telhados de vidro, a impor algum respeito às televisões. Mas a verdade é que Pedro Santana Lopes - de vez em quando e entre muitos tiros no próprio pé - dá uma lição de coragem aos seus maiores críticos.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Paula Rego em Madrid


Notícia de hoje, aqui.
Começo por dizer que não queria um quadro da Paula Rego em minha casa. Aquele imaginário de infância maldita perturba-me, inquieta-me, enfim, faz-me mal. Se tivesse um original de Paula Rego (e quem me dera tê-lo...) vendia-o logo e comprava alguma outra coisa que tivesse mais a ver comigo. Um dos belos tigres do Pomar, por exemplo. Ou um pequeno (pequeníssimo, por causa do preço) quadrito do Amadeo.
Mas isso é o meu gosto, pessoal e discutível. Paula Rego é uma pintora de cotação internacional, sagrada na Tate e exposta em muitos outros museus e galerias de arte, por todo o mundo. Tem uma técnica que ninguém se atreve a questionar, passou o crivo dos críticos mais exigentes e o seu estilo é absolutamente original.
Por isso lastimo que a exposição retrospectiva de toda a sua obra aconteça em Madrid, não por escolha da pintora, mas por falta de um local com dimensão apropriada, em Portugal, para acolhê-la. E porquê? Não teremos um sítio condigno, em Lisboa, com perfil e logística para uma exposição desta envergadura? Temos, sim: o Centro Cultural de Belém. Mas acontece que o espaço foi monopolizado integralmente e em permanência pela Colecção Berardo, nos próximos 10 anos. Assim, lá vai Paula Rego ficar "por baixo do Picasso, em todos os sentidos menos um", como ela explicou com alguma graça e justificada vaidade. Pois é...

Uma questão de nível


PSD: Mandatário de Mendes diz que Menezes chegou ao "nível mais baixo de sempre".
Verdadeiramente espantoso é assistir à cena patética destas duas criaturas, batendo-se por uns sapatos de defunto. Alguém faz a caridade de explicar-lhes que o próprio PSD já desceu tanto, mas tanto, que ninguém o vê???
É que é confrangedor ver que estes dois ainda não deram por isso!

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Never say never again



Uma pequena provocação aos meus doutos comentadores... porque o James Bond também é cultura. O Sean Connery, pelo menos, é uma obra de arte!

A banda


Acordou estremunhada, um caos de sons estridentes a fritar-lhe os neurónios depois de uma noite de absoluta paz e silêncio, como há muito tempo não se lembrava de ter tido. Não percebeu a princípio onde estava, nem porque tinham os seus sonhos de infância sido assim invadidos por clarinetes e tambores em fúria ciclópica, atacando uma música vagamente familiar que nada tinha a ver com os seus tempos de menina. A música… sim, era a “Grândola, vila morena”, e o dia… claro, o 25 de Abril.
Aos poucos voltou à realidade, à vida, ao presente doloroso. Estava na aldeia, naquela terra onde não pusera os pés durante tantos anos. Voltava agora, mais de 30 anos passados, e só por uma razão “de peso”. Franziu a cara num esgar de dor, enquanto os quase 120 quilos desafiavam a gravidade e tentavam erguer-se, sem consequências dramáticas, da periclitante cama de solteira. Depois de várias tentativas goradas, lá conseguiu e foi à janela, ainda a tempo de ver dobrar a esquina os últimos músicos festivos e domingueiros da banda filarmónica, num espalhafato que lhe pareceu quase grotesco.
Esquecera por completo, depois de tantos anos a viver na fleumática capital, aquele hábito ingénuo e provinciano de festejar tudo com fanfarras. Mas a verdade é que a banda da terra precisava de pretextos para sair à rua e exibir fardas e talentos, ou não valeria a pena o sacrifício das noites de ensaio, depois da dureza do dia de trabalho nos campos. E a efeméride da revolução de Abril era razão mais do que suficiente para festejar.

Ela é que não tinha nada para celebrar: voltara à terra para se isolar (os médicos tinham-lhe chamado descansar, recuperar e outras palavras animadoras, mas ela sabia bem que era para se conseguir vencer a si própria, longe das testemunhas habituais). Enquanto se olhava no espelho gasto da casa de banho, reviu mentalmente o último ano da sua vida e as razões que a tinham levado até ali: o colapso inevitável do casamento, a profunda depressão em que caíra, o internamento por tentativa de suicídio, a longa e penosa terapia e, finalmente, aquela luz ao fundo do túnel, ainda ténue, ainda difícil de alcançar, mas a única a que podia agarrar-se. “Vamos avançar, Florinda. Acho que agora já está pronta para o próximo passo, a banda gástrica. Verá como 50 quilos a menos farão milagres pela sua auto-estima! Mas tem que colaborar, ter muita força de vontade e fazer desse objectivo uma obrigação sagrada. A banda vai ajudá-la, claro, mas sem a sua determinação, nada feito… Posso contar consigo?” O Dr. Freitas tinha mais fé em si do que ela própria, ou então disfarçava bem. Parecia muito confiante e sorria sempre como se o mundo fosse uma festa interminável, o que chegava a ser irritante. Respondera que sim, claro. Que podia contar com ela. Que faria tudo para voltar a ser a mulher segura que fora um dia, milénios atrás.
E ali estava agora, também por sugestão dele: “Mude de ares. Aproveite a baixa e vá até um sítio onde se sinta bem. Afaste-se de todas as suas rotinas, concentre-se em si. Uma vez na vida, mulher, pense SÓ em si!” Pensou, durante alguns dias. Mas não tinha dinheiro para viagens e a baixa psiquiátrica retirava-lhe uma fatia substancial do ordenado, já de si diminuto. O médico ganhava muito bem, com certeza, e não percebia que os doentes não eram milionários…
Mas sabia que ele tinha razão. Tinha que sair do cenário da sua tragédia, para poder respirar fundo e reerguer-se. Os colegas de escritório, os vizinhos, até as meninas do supermercado tinham testemunhado cada lágrima perdida, cada quilo ganho. O marido abandonara-a com alarde, trocara-a por uma mulher mais nova e do bairro também, conhecida de todos. E os dois falavam… se falavam! Justificavam o adultério com motivos que ela nem sequer podia negar: o desinteresse crescente pela casa, o sexo impossível com um “monstro” que já nem podia mexer-se, a incapacidade de dar-lhe filhos, a fixação na comida como tábua de salvação. Sim, ela sabia que tinha ajudado a tornar sustentáveis aqueles argumentos.
A única solução que encontrara era esta, o regresso à aldeia. Os pais tinham morrido há muitos anos, não tinha irmãos. Aquela velha casa pertencia-lhe por direito, embora nunca tivesse vindo reclamá-la. A chave tinha estado, desde que ficara vazia, nas mãos de uma vizinha que a vira nascer. O marido detestara sempre a vida da província, nem de férias lá quisera ir, nunca. E ela, por inércia e desgosto pela falta dos pais, deixara-se também afastar, sem resistência.
Mas tudo isso era passado, agora tinha que concentrar-se em si. O médico prevenira-a contra pensamentos mórbidos e recorrentes, que o seu próprio ego maltratado construiria para impedir a cura e justificar recaídas. Tinha que derrotar a compulsão pela comida, a tentação do precipício. Talvez as recordações alegres da sua infância lhe devolvessem a auto-confiança de que precisava para vencer aquela batalha. Chegara na véspera, à noitinha já, e só a vizinha sabia da sua presença ali porque lhe deixara a chave no vaso de sardinheiras da porta. A noite tinha sido estranha, sem os sons da cidade a que estava habituada. A casa cheirava a mofo mas estava limpa, e qualquer coisa no ar despertara em si uma comoção e uma alegria que há muito tempo não conhecia.
Passou a mão pelo abdómen, dorido dos cortes e pontos recentes. A banda lá estava, ainda por insuflar, por enquanto só a marcar presença. Haveria de ter o seu papel na nova Florinda, lá mais para a frente, segundo lhe explicara o médico. Para já, e até as suas entranhas se adaptarem ao corpo estranho que se lhes colara, a função da banda era meramente psicológica e só com a sua própria força de vontade podia contar. Mas, caramba – concluiu com estranheza – como podiam os médicos confiar na força de vontade de doentes compulsivos, que se sujeitavam àquela provação exactamente porque a não tinham? Não era pedir de mais? Para que servia então a banda, se, quando se pudesse contar com ela, o principal trabalho já estava feito? Começava a achar tudo aquilo muito falível, mas tinha que colaborar. Prometera ao médico e a si própria. A mudança já prometia alguma coisa, pelo menos. Sentia-se renovada e quase feliz, com o ar do campo e a distância que interpusera entre si e as suas mágoas. Como dizia a canção, este era o primeiro dia do resto da sua vida. Respirou fundo e resolveu sair á rua.
Por todo o lado ressoava a música da filarmónica, que percorria as ruas e haveria de parar no coreto da praça, com toda a pompa e circunstância. Dirigiu-se para lá, curiosa. Muitos ainda a conheciam, quase toda a população tinha a idade dos seus pais e avós. Percebeu que a olhavam com comiseração, o corpo disforme a suscitar comentários e suposições para mais tarde. Um bando de crianças passou a correr e empurrou-a com violência, apontando para ela entre gargalhadas. Começou a sentir-se mal, a velha insegurança a voltar aos seus domínios de sempre. Sentou-se num dos bancos da praça, cada vez mais enervada.
O dia era de festa. Em volta do coreto tinham acampado os feirantes, num estardalhaço de sapatos, roupas, cestos, galinhas, alfaias agrícolas e cassetes piratas. Um frenesim de gente comprava e vendia tudo. Os altifalantes anunciavam, aos berros, um circo com feras verdadeiras e artistas de todo o mundo, “como nunca se viu por cá”. Começou a ficar tonta com a poeirada e o barulho crescente da banda que se aproximava, ameaçadora. Todo aquele espectáculo a atordoava e repelia, mais do que lhe devolvia recordações de infância. Tinham sido muitos meses de total fragilidade, sabendo-se vigiada e protegida por médicos e terapeutas, e agora estava entregue àquela voragem medieval. Sozinha e longe do seu ambiente. O abismo estava em todo o lado, afinal, porque estava dentro de si.
Já em desespero, olhou em volta, à procura de um porto de abrigo. Encontrou-o, finalmente, na barraca das farturas e do pão quente com chouriço. Ao terceiro naco já sorria, totalmente descontraída, com a mão sobre o estômago onde repousava a banda oculta. E assim ficou, feliz de novo, a ver a banda passar.
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Nota: Porque tenho muito pouco tempo para escrever agora e também porque só de há pouco tempo para cá este blog tem algum quorum, resolvi repetir alguns textos que aqui postei há meses, quando o iniciei. Este é o primeiro deles. As minhas desculpas a quem já os leu (se é que ainda se lembra disso, o que é pouco provável).

Van Gogh




Con tus orejas en las manos
voy enseñandole a Van Gogh
como mejora el resultado
quando lo hacen dos.
Siempre los cariñitos
me han parecido una mariconez
e ahora hablo contigo en diminutivo
con nombres de pastel...
(Mecano - Quedate en Madrid)

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Palavras com dedos


De cada vez que revejo Il Postino ("O Carteiro de Pablo Neruda", na tradução portuguesa) descubro-lhe um pormenor que me tinha escapado antes.
Desta vez foi uma verdadeira pérola da sempre imbatível sabedoria popular, saída da boca da tia de Beatrice num tom de quem sabe muito bem o que diz:
“Quando um homem começa por tocar-nos com palavras, chega longe com as mãos.”

domingo, 23 de setembro de 2007

Silêncio eterno


Morreu Marcel Marceau, o grande mimo francês.
O seu ídolo era Charlot, de quem bebeu os silêncios que diziam tudo.
Palavras, para quê?

A Divina Comédia


«É provável que esta seja uma condenação não exclusivamente nossa, mas em Portugal ela vai assumindo contornos macabros. As pessoas estão cada vez mais impedidas de sobreviver à custa das actividades para as quais se sentem vocacionadas. Impedir um homem de viver da sua actividade é condená-lo à morte. Esta dolorosa realidade não pesa senão na consciência dos inconformados. Esses, entregues a contingências várias, responderão ao inconformismo de múltiplas formas. Não sabemos o que se terá passado dentro do actor Pedro Alpiarça. Apenas sabemos que fez rir muitos portugueses em séries de comédia passadas na televisão, sabemos que estava desempregado e, talvez por isso, agravadamente deprimido, sabemos que saltou de um quinto andar e morreu. Sabemos que se suicidou. Os telejornais estão mais preocupados com o desemprego do multimilionário treinador de futebol José Mourinho. Este só tem uma certeza: continuará a ver futebol, a jogar, a treinar, a exercer a actividade para a qual nasceu, a dar corda à sua vocação e a ser muito bem pago por isso. José Mourinho, desempregado, sabe que para ele o desemprego não será um problema. As televisões é que parece que não, tão preocupadas que estão com o desemprego de José Mourinho.»
Encontrado no Insónia, do Henrique Fialho. Uma comparação impressionante, para reflectir.

sábado, 22 de setembro de 2007

Bem vindo, Outono


Com um dia de atraso, uma homenagem à minha estação do ano preferida: o Outono. Aqui, entregue nas mãos virtuosas de Nigel Kennedy.
Vi-o (e ouvi-o!) há cerca de 1o anos, no auditório da Gulbenkian, tocando igualmente Vivaldi e também Brahms, se não me falha a memória. Achei-o genial. Nessa altura era um violinista rebelde e fora do baralho clássico, na maneira de vestir em palco: uns jeans coçados e uma t-shirt desportiva, cultivando um ar blasé que contrastava com o aprumo impecável dos outros músicos. Mas não só: nos seus concertos era colocado um quadrado de feltro grosso e felpudo, para abafar o som dos pés que batiam com força no chão enquanto tocava, às vezes até dando saltos. Era um espectáculo invulgar, mas o som que lhe saía das mãos fazia esquecer completamente o insólito da cavalgada. Nigel estava muito ligado à chamada música ligeira, e já tinha gravado com os grandes nomes da Pop inglesa.
Não sei de quando é esta gravação, mas vejo-o aqui muito compostinho. Da imagem que eu tinha dele já só resta o penteado. E o enorme talento, claro.
Adenda: Parece que afinal não me atrasei. Um atento guardião das datas diz-me que o Outono começa oficialmente no dia 23 de Setembro. Sendo assim, adiantei-me 3 horas. Difícil, mesmo, é acertar no dia certo!

O tamanho conta

Pelo menos na música, o tamanho conta.

Tentações


Consigo resistir a muitas tentações, mas há uma que me vence sempre: vendo a alma ao diabo por um travesseiro da Piriquita.
Por um que esteja ainda morno, então, sou capaz de matar.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Lobas II


“As mulheres carregam nos olhos os fogos dos sete infernos. Pode-se pegar na carne delas, qualquer trecho do corpo: é quente. Não será do sol do mundo. É das antiquíssimas labaredas, que elas atravessam sem se queimar.
Mas o fogo aquece-as para sempre e a cintilância das labaredas perdura, anzol ou garra de ar.
As mulheres quando morrem vão, mas voltam vestidas de outras peles e de outros cabelos para continuar os serviços lá delas. O diabo autoriza quando estão no ponto: “Voltem”. O diabo sabe o que faz. Aí elas se misturam de novo no meio dos povos e o aroma delas é de raízes silvestres. As curvas feitas nas ancas são cavadas pessoalmente pelo diabo que recheia muito bem recheada a parede das ancas. Ele mira e remira as ancas e satisfeito sorri, o hábil oleiro.
O diabo ensina as artes de falar; de sorrir; de prometer; de chorar; de aliciar; de imantar, de fingir, até elas alcançarem a sabedoria: para ir deixando um rastro de estragos.
Dizem que há exceções. Quanto a essa parte não sei.”
Haroldo Maranhão (escritor brasileiro - 1927-2004)

Emprestado da Meg, no SubRosa, este texto de Haroldo Maranhão é altamente provocatório. Apenas misógino? Sábio? Atrevo-me a dissecá-lo:
Há qualquer coisa, realmente, na natureza feminina - a influência em nós dos ciclos lunares, por exemplo, que o diga - que está profundamente ligada aos primórdios. E os homens sempre diabolizaram o que não entendem e os assusta, exactamente porque não o entendem (muitas "bruxas" acabaram na fogueira por causa disso, literalmente ou em sentido figurado). Não sabem, claro, que tudo o que queremos é amá-los. Mas sentem, ou intuem (a intuição é mais do nosso foro, por isso será talvez instinto de sobrevivência), que esse amor pode, por vezes, ser-lhes fatal.
O tão aclamado "sagrado feminino" encerra em si um enorme poder que tem alguma coisa de perverso, há que reconhecê-lo. A infinita complexidade das mulheres (e também a pura necessidade, num mundo patriarcal), muniu-as de várias e sofisticadas armas, frequentemente usadas de maneira pouco limpa. E os homens, com toda a sua pirotecnia de superioridade, são afinal muito mais vulneráveis. Mais expostos. Até porque lhes é exigido que exibam os atributos de uma força que lhes deve ser natural. As mulheres podem recolher as garras e simular fragilidade, se isso lhes convier, mas aos homens isso não é permitido: presos na sua própria teia, cumprem o arquétipo que lhes foi atribuído, pagando o preço da previsibilidade. Assim, resta-lhes esmagá-las com essa mesma força de que são, eles próprios, cativos. Tudo isso antes que o façam elas, de formas mais subtis e quase sempre mais devastadoras.
Homens e mulheres navegam, desde sempre, num único e irremediável equívoco: presumir que a outra metade fala a mesma língua. Interpretamo-nos uns aos outros à luz de códigos duplos, julgando-os os mesmos. E todos os conflitos derivam daí.
P.S.: Parabéns à Meg pelo seu Sub Rosa, que acaba de fazer 6 anos de vida!

Brisa do coração


Hoje passa pela Porta do Vento uma brisa especial: a Brisa do Coração, uma magnífica música e um belo poema, na voz única da Dulce Pontes. Deixem-se embalar pelo vento e pelo mar, com a cumplicidade das gaivotas. Fechem os olhos e esqueçam tudo o resto.

(Música: Ennio Morricone / Letra: Francesco de Melis, Emma Scoles / Fotografia: Mário Cordeiro)

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Lobas I

«O título do livro - "Mulheres que correm com os Lobos - Mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem" - foi inspirado nos meus estudos sobre a biologia de animais selvagens, em especial os lobos. Os estudos de lobos Canis Lupus e Canis Rufus são como a história das mulheres, no que diz respeito à sua vivacidade e à sua labuta. Os lobos saudáveis e as mulheres saudáveis têm certas características psíquicas em comum: percepção aguçada, espírito brincalhão e uma elevada capacidade para a dedicação. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força. São profundamente intuitivos e têm grande preocupação para com as suas crias, os seus parceiros e sua matilha. Têm experiência em se adaptar a circunstâncias em constante mutação. Têm uma determinação feroz e uma extrema coragem.
No entanto, as duas espécies foram perseguidas e acossadas, sendo-lhes falsamente atribuído o facto de serem trapaceiros e vorazes, excessivamente agressivos e de terem menor valor do que os seus detractores. Foram alvo daqueles que preferiam arrasar as matas virgens, bem como os arredores selvagens da psique, erradicando o que fosse instintivo sem deixar que dele restasse nenhum sinal. A actividade predatória contra os lobos e contra as mulheres, por parte daqueles que não os compreendem, é de uma semelhança surpreendente.
Todas nós, mulheres, temos anseio pelo que é selvagem.
Existem poucos antídotos aceites pela nossa cultura para esse desejo ardente. Ensinaram-nos a ter vergonha desse tipo de aspiração. Deixamos crescer os cabelos e usamo-los para esconder os nossos sentimentos e a nossa essência mais profunda. No entanto, o espectro da mulher selvagem ainda nos espreita, de dia e de noite. Não importa onde estejamos, a sombra que corre atrás de nós tem, decididamente, quatro patas.»

(Clarissa Pinkola Estés, in "Mulheres que correm com os Lobos")

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

The bright side of death

Hoje é um dia triste: despediu-se da blogosfera um dos mais inteligentes, certeiros e divertidos blogs que por cá andavam. O BLOG DA SABEDORIA, do meu amigo JG. Com muita pena minha, mesmo muita pena, presto-lhe aqui a minha última e sentida homenagem. Mas tenho a obrigação de fazê-lo em grande estilo, porque ele não merece menos do que este epitáfio:

Cá fico à espera da reencarnação, JG. A falta que me vais fazer, até lá!...

Nota: O JG continua a brindar-nos com os fantásticos "O século Prodigioso" (o veterano) e "Light my life" (o neófito), blogs de consulta obrigatória para quem aprecia o bom gosto e as artes plásticas. E há mais: "O rosto da cidade" (fotografias de Lisboa) e "Horas dispersas" (publicidade), igualmente bons mas parcos em actualizações. O que se compreende...

Quero lá saber!


Porque será que temos sempre que ser mesquinhos quando se trata de reconhecer os nossos talentos, apoucando-os com ninharias "ao lado", que não têm nada a ver com o que está em causa?
Falo de Aquilino Ribeiro, claro. E da sua mudança para o Panteão Nacional, aonde pertence por mérito próprio e incontestável. Aquilino foi um escritor e um pensador de importância inquestionável para a nossa cultura, e a sua obra tem um valor que transcende absolutamente as questões ideológicas.
Quero lá saber se conspirou ou não contra o regime, se era de esquerda ou de direita, se vestia fatos azuis ou pretos, se gostava de ovos quentes ou de torradas ao pequeno-almoço! É um nome Grande das LETRAS portuguesas, caramba! Quem é que se atreve a negar esta afirmação? Mal "acomparado", é como dizer que a voz do Frank Sinatra não valia nada só porque ele pertencia à Máfia...

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Middle east of the sun, middle west of the moon, dear

Dear big chief Sócrates: eu sei que o seu inglês é técnico, não geográfico. Por isso compreendo perfeitamente que confunda os pontos cardeais, ainda por cima quando se trata dos "middle ones".
É para si este video, dear: a música é óptima e talvez aprenda a situar melhor os alhos e os bugalhos. E não me agradeça, please. Tenho muito gosto, dear.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Última ceia

O que tem de tão mágico esta pintura de Leonardo, para fazer correr rios de tinta e inspirar tantas interpretações ? Aceitam-se sugestões para o mistério.

(Clique nas imagens para ampliá-las)

domingo, 16 de setembro de 2007

Discussões


Não há muitos anos, ainda eu levava a vida na ponta de uma espada. A cada provocação - ou aquilo que me parecia uma provocação - saltava como uma mola, pronta a defender a minha dama de ocasião. Sobretudo quando o tema era a injustiça - em qualquer uma das suas infinitas variações - a minha reacção era imediata e "física": o coração disparava, os músculos retesavam-se como os de uma fera em estado de vigília, todos os sentidos ficavam de repente alerta e ao serviço da minha causa. Era uma espécie de Joana d'Arc, incorruptível e sempre a postos para uma boa batalha em defesa de utopias e sonhos. A verdade é que gostava de ouvir-me, de sentir-me invencível. Gostava de romper as barreiras do razoável e aventurar-me, sem rede, em trapézios em que a adrenalina eclipsava o mais elementar instinto de sobrevivência. Por ser tão inflamada e tão suicidariamente destemida, muitas vezes fui ao tapete. Mas muitas outras, talvez a maioria, saí em ombros do recinto. E reparava que sentia sempre, no fim, uma indecifrável sensação de derrota quando a vitória era claramente minha. Passado o êxtase da discussão, os louros eram estranhamente incómodos.
Demorei algum tempo a perceber a mensagem, vinda das profundezas da minha consciência. Mas cheguei lá, aos poucos, entendendo o que tinha de perigoso a minha atitude. E de arrogante. E, acima de tudo, de egótico. No calor da discussão e do alto da minha razão inatacável, algumas vezes não terei percebido a fragilidade de um opositor ou o seu desespero. Algumas vezes terei esmagado alguém liminarmente, sem me deter nas razões que levavam esse alguém a defender pontos de vista que me pareciam inaceitáveis. Os porquês, as causas, os eventuais equívocos. Ciente de que dava sempre iguais armas aos meus adversários, esquecia-me de que isso não bastava para que a luta fosse igualitária e, logo, inteiramente limpa.
Mas a vida foi-me ensinando a lição, e encarregou-se de limar e amaciar as minhas arestas. Aprendi, por exemplo, que a coerência não justifica tudo e que não é, por si só, um valor essencial (a História está cheia de déspotas que foram sempre coerentes). Dar o braço a torcer pode ser bem mais compensador. Parar para observar os estragos que estamos a fazer no adversário é não só uma atitude muito mais humanista como, muitas vezes, mais eficaz. Porque o humaniza também.
A maturidade, que me abriu os olhos para tudo isto (não é tudo mau...) trouxe-me, como compensação dos delirantes excessos perdidos, dois preciosíssimos presentes: a calma e o humor. Ironicamente, também com eles tenho que estar alerta. Ambos podem ser mais letais do que uma faca afiada. Tenho a plena noção de que fui ganhando algum inevitável cinismo pelo caminho, mas também uma visão mais tolerante dos outros e de mim própria.
A discussão pelo prazer da discussão, confesso, sempre há-de motivar-me. A dialética é para mim uma arte apaixonante e irresistível, que os meus genes provavelmente determinaram e a profissão acabou por substanciar. Tese, antítese e síntese são labirintos que me atraem como poucas outras coisas, e a ginástica mental parece-me muito mais preciosa do que aquela que se faz nos ginásios e nos deixa o físico em forma. Nas discussões alheias, galvaniza-me o espectáculo de inteligências em exercício (quando é o caso) e desespera-me a argumentação que se apoia em truques baixos e recursos menos nobres. Acho até que a dialética deveria ser uma modalidade olímpica, sujeita às regras de ouro dessas contendas superiores. Mas matar ou morrer já não é o meu estímulo. Agora, numa discussão, o que mais me encanta é o que aprendo. E, já agora, também um resto mortal de vaidade, que me ficou: o saber que posso ter ensinado alguma coisa.

Um presente

Olhem só que presente lindo eu tive:

sábado, 15 de setembro de 2007

O essencial


E mais uma gargalhada, à conta da proverbial e ignorante bonomia dos portugueses.

Esta ainda fresquinha, acabada de ouvir nas notícias da televisão, numa entrevista de rua no Porto, onde decorre a reunião dos Ministros das Finanças da União Europeia (ECOFIN).

Uma tripeira avantajada é abordada pelo jornalista, que lhe pergunta se sabe o que é o Ecofin. Resposta prontíssima: "Eu não... Sei o que é vinho fino, mas isso não ..."

Bem respondido, carago! O que interessa é saber o essencial.

Rir é o melhor remédio

Uma boa gargalhada para o fim de semana. Obrigada, Azia.

O mais curioso é que a frase "you're a disaster", em russo, soa a qualquer coisa como "está de parabéns", em português.

My Sweet Lord


Irresistível, este post/quase poema do Lord Broken-Pottery. A mostrar todo o talento que ele tem, até a chorar. Tive que roubá-lo para aqui. Mas ele perdoa-me. Não perdoa, my sweet Lord?
Aqui está:
«Gently Weeping
Hoje acordei querendo ser a guitarra do George Harrison. Gentilmente derramaria lágrimas como há muito não faço.
O primeiro pranto seria por saudades acumuladas, feridas abertas não cicatrizadas. Depois choraria o que não consegui fazer, tempo perdido, desperdiçado, jogado fora, menino preguiçoso desde sempre. Lamentaria então, baixinho, os momentos mal vividos onde, enredado em antecipações, todo expectativa, fui mais uma vez criança. Lastimaria o sono que não dormi, sonhos esbanjados em preocupações tolas. E com cuidado, para que não ouvissem esse carpir silente, derramaria algumas lágrimas de ódio e estaria, finalmente, bem mais feliz.
I look at the world and I notice it's turning
While my guitar gently weeps
With every mistake we must surely be learning
Still my guitar gently weeps
(While My Guitar Gently Weeps - George Harrison)»
Já agora junto-lhe este contributo, em jeito de brincadeira. Espero que as lágrimas já tenham secado.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Ora aí está!

«Por um Tibete livre

Percebe-se o melindre que provoca a visita do Dalai Lama a Portugal, mas o país deveria enviar um sinal muito mais forte aos tibetanos e aos chineses. Em especial este país, que tanto pugnou nos areópagos internacionais pela autodeterminação de Timor-Leste. Uma audiência com a comissão parlamentar dos Negócios Estrangeiros é claramente insuficiente, e, por isso, não ficamos lá muito bem na fotografia. »
Encontrado no Abencerragem, do Ricardo António Alves. Subscrevo, e acrescento: A bandeira da independência sempre foi especialmente cara aos portugueses (à excepção de Saramago, claro, mas esse felizmente não tinha voto na matéria quando tivemos invasões). Porquê este "assobiar para o lado" quando se trata do Tibete, tenha a opressão chinesa os anos que tiver?

Gripe


Parece que a gripe das aves entrou finalmente em Portugal.
Se chega aos pavões, lá se vai metade do governo.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Million Dollar Mister


Está visto que toda a gente está farta de futebol. A começar pelos seus protagonistas, que cada vez mais acrescentam uns pozinhos de boxe ao espectáculo, para lhe dar outro elan. Inventou-se um novo desporto: o futeboxe.
Desta vez, foi o próprio Million Dollar Mister quem brilhou nos ringues.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Piada snob

Os possidónios têm imensa sorte: às vezes falece-lhes gente, mas nunca lhes morre ninguém.