Já tenho ouvido de tudo um pouco, mas por esta, confesso, não esperava: hoje, dia 31 de Julho, é o dia nacional do... Orgasmo!!!
terça-feira, 31 de julho de 2007
É hoje!
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O eclipse de Antonioni
Por alguma estranha razão, este abrasador final de Julho está a levar-nos os realizadores de cinema da chamada "velha guarda", aqueles monstros sagrados que nos deram tantas e tão boas horas de prazer.
Principais filmes:
Escândalo de Amor (1950)
O Deserto Vermelho (1964)
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A lucidez perigosa
Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise.
Estou, por assim dizer, vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.
Além do que: Que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano - já me aconteceu antes.
Pois sei que - em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade - essa clareza de realidade é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis.
Eu consisto,
Eu consisto,
Amén.
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segunda-feira, 30 de julho de 2007
La terre est bleue comme une orange
La terre est bleue comme une orange
Jamais une erreur les mots ne mentent pas
Ils ne vous donnent plus à chanter
Au tour des baisers de s'entendre
Les fous et les amours
Elle sa bouche d'alliance
Tous les secrets tous les sourires
Et quels vêtements d'indulgence
À la croire toute nue.
Les guêpes fleurissent vert
L'aube se passe autour du cou
Un collier de fenêtres
Des ailes couvrent les feuilles
Tu as toutes les joies solaires
Tout le soleil sur la terre
Sur les chemins de ta beauté.
Oeil de sourd
Faites mon portait.
Il se modifiera pour remplir tous les vides.
Faites mon portrait sans bruit, seul le silence,
A moins que - s'il - sauf - excepté -
Je ne vous entends pas.
Il s'agit, il ne s'agit plus.
Je voudrais ressembler
- Fâcheuse coïncidence, entre autres grandes affaires.
Sans fatigue, têtes nouées
Aux mains de mon activité.
Paul Eluard, L'amour la poésie (1929)
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Labels: poesia
Sonho de uma Noite de Verão
Aos 89 anos morreu, esta madrugada, Ingmar Bergman, o realizador que mais e melhor notabilizou o cinema nórdico. Deixa-nos uma herança composta de muitos e belíssimos filmes, numa visão pessoalíssima dos dramas humanos, em todos os seus cambiantes. Mas não só. Bergman revelou sempre um carinho e interesse muito especiais pelo universo feminino, pela sua complexidade e infinitas nuances. Por contraste com as personagens masculinas dos seus filmes, muito mais tipificadas, as mulheres de Bergman são sempre ricas de contrastes, movem-se e evoluem na trama com surpresa e desenvoltura. A sua maior musa foi Liv Ullmann, a quem ofereceu, ainda há pouco tempo, talvez o papel mais importante da sua vida de actriz: o de Marianne, em Saraband (uma espécie de continuação, muitos anos depois, do filme Cenas da Vida Conjugal, embora com diferenças essenciais que impedem a sua classificação como "sequela" deste). Mas Bergman não se esgotou no cinema: foi também escritor, director artístico e encenador de teatro, tendo levado à cena inúmeras e importantes peças de teatro e óperas. A sua vasta obra somou prémios internacionais de prestígio e foi aclamada por todo o mundo, embora a Academia de Hollywood lhe tenha negado sempre o Óscar (para o qual foi nomeado, por várias vezes).
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domingo, 29 de julho de 2007
Prémios Porta do Vento
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Labels: prémios
sábado, 28 de julho de 2007
Confesso
68%How Addicted to Blogging Are You?
Pronto, confesso.
Tenho andado a fugir à ideia de avaliar a minha adicção, mas acabei por enfrentar a fera. E convenhamos, há coisas piores...
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Labels: confissões
Privilégio
Às vezes, o hábito faz-me esquecer o privilégio raro que é viver num sítio como este.
Hoje a baía de Cascais está especialmente bonita, com um céu de um azul intenso e imenso.
Como harina, como pan, algo bueno que no pides e se dá...
Pedro Guerra, ajudas-me a celebrá-la como ela merece?
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Perigo iminente
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher... (Vinicius de Moraes)
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Labels: poesia
Palavras, para quê?
AMÁLIA, A TUA VOZ
Vem das sombras do Tempo
Da memória da Terra
Essa força que encerra
Amália, a tua voz
Amália, a tua voz
Não tem nome ou idade
É toda liberdade
É mar, sopro de vento
Tem a cor das palavras
Murmuradas nos sonhos
É de mel e medronhos
Amália, a tua voz
Amália, a tua voz
Sabe a água das fontes
Cheira a urze dos montes
E a roseiras bravas
É rastilho veloz
Que ateia um fogo posto
É poente de Agosto
Amália, a tua voz
Amália, a tua voz
Chora todos os prantos
Rasga todos os mantos
Que nos escondem de nós
É colcha de Viana
Ricamente bordada
É renda delicada
Amália, a tua voz
Amália, a tua voz
É madeira entalhada
Cordão de oiro, arrecada
Da melhor filigrana
Caravela ou fragata
Onde embarcam desejos
É promessa de beijos
Amália, a tua voz
Amália, a tua voz
É sangue, é vinho novo
É a alma de um povo
Que a cantar se desata
(in Porgy and Bess, de George Gershwin)
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Roleta russa
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Labels: avisos à navegação, recados
sexta-feira, 27 de julho de 2007
Clarice, a grande
Nota: Se não tiver o livro (Contos, Clarice Lispector, editora Relógio d'Água) pode ler este* conto na íntegra, aqui.
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quinta-feira, 26 de julho de 2007
Dia de...
Posted by ana v. at 12:18 6 comments
quarta-feira, 25 de julho de 2007
Paraíso
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(Pedro Guerra - Deseo)
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Labels: poesia
Limites
Posted by ana v. at 04:19 2 comments
Bom ar
Jantei ontem, com amigos inestimáveis, no muito in restaurante "D'Oliva", em Matosinhos. Aderindo a uma onda cada vez mais na moda, retoma a tradição da boa cozinha mediterrânica, a abrir logo com um pratinho de azeite aromatizado para molhar o pão e fazer boca para o que se segue. Belo jantar e melhor vinho, que eu não conhecia: Quinta dos Bons Ares.
Tudo, afinal, com muito bom ar.
Posted by ana v. at 02:32 3 comments
Labels: Sugestões
segunda-feira, 23 de julho de 2007
Índia
Posted by ana v. at 01:12 7 comments
Labels: reflexões
domingo, 22 de julho de 2007
Passa. Entra.
Por mais voltas que dê, por mais música que ouça, acabo sempre por voltar a Pedro Guerra porque nunca me canso de ouvi-lo.
Hoje estou num desses dias em que só ele me enche as medidas. Passa. Entra. Alguma forma encontrarás para passar por esta porta. Lindo. Ouçam até à exaustão, ou até saber de cor. Vão dar-me razão, tenho a certeza.
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Imagem - "Rooms by the sea", de Edward Hopper
Posted by ana v. at 11:40 2 comments
sábado, 21 de julho de 2007
A Salgada Família
Posted by ana v. at 21:39 3 comments
Ilusões II
Amigo de Singapura que hoje entrou aqui na Porta do Vento, por acaso este pontão não pertence à sua casa, não?? É que eu teria muito gosto em retribuir-lhe a visita...
Perguntar não ofende, sempre ouvi dizer.
Posted by ana v. at 11:58 2 comments
Labels: ilusões
Em casa de ferreiro
Tudo isto porque a imponente moradia da Av. Gago Coutinho onde funcionava a Caminho, propriedade do PCP, albergará a curto prazo a novel fundação do nobel Saramago.
Não só lamento e estranho o absoluto silêncio dos sindicatos quanto a esta situação - em casa de ferreiro, espeto de pau - como muito me intriga a escolha de Saramago: não teria sido mais lógico eleger Madrid, capital da Ibéria, para sediar a sua fundação? Na geografia segundo Saramago, Lisboa será, quando muito, uma cidade de recreio. Nada que se compare, portanto, à importância de tão ilustre ibero.
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Sinal aberto
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quinta-feira, 19 de julho de 2007
Uma raridade
Posted by ana v. at 11:01 6 comments
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terça-feira, 17 de julho de 2007
Descubra as diferenças
Posted by ana v. at 08:09 6 comments
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segunda-feira, 16 de julho de 2007
Pérolas na Blogosfera III
Mas enfim, a votação vale o que vale e, em democracia, a maioria leva a bicicleta. Em vez de uma proposta estéril para as 7 maravilhas do mundo moderno, prefiro deixar aqui, para reflexão, este post que encontrei no Jansenista, sobre as 7 maravilhas da blogosfera. Isto, sim, tem interesse. É um resumo, muito bem visto, dos vários atractivos e vantagens deste mundo de amizades e cumplicidades virtuais. Vale a pena ler.
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domingo, 15 de julho de 2007
Até que a morte nos separe?
Posted by ana v. at 18:12 3 comments
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sábado, 14 de julho de 2007
Passeio matinal
A amizade é o amor sem asas.
Lord Byron
Mas ainda bem que combinámos esta escapadela a quatro. Ainda por cima ao Porto, que é uma cidade de que eu gosto imenso. Não me digas que não conheces o Porto?! Ah, tens que dar uma volta comigo, talvez amanhã de manhã. Há certos sítios que são obrigatórios: Nevogilde, por exemplo, um bairro delicioso que parece um bocadinho do Minho incrustado em plena cidade. E os jardins de Serralves (mas isso deves conhecer, não?), a Baixa e a Ribeira. A Ribeira é uma beleza, e agora que foi toda recuperada está um brinquinho. Antes estava em ruínas, era um bocado deprimente e nem se percebia como é tão bonita! Mas conheces a Foz, claro. Faz-me sempre lembrar Cannes ou Nice, com as palmeiras e o passeio empedrado com varandim ao longo do mar, à moda da Côte. Podemos ir lá jantar hoje, que tal? Um primo do Daniel tem um restaurante na praia do Homem do Leme, onde se comem uns petiscos de comer e chorar por mais! Deves conhecê-lo, não? É um baixinho, casado com a Madalena, irmã da Teresa e do Luís Gonçalo. Mas, espera aí, ela é que é prima do Daniel. Ah, dela lembras-te? Pois, solteiríssima, nos tempos áureos em que ainda vivia naquele palacete da Lapa, que agora é um hotel. Belos tempos, dizes bem! Pois vamos hoje jantar com eles, está decidido.
É, o Porto é uma cidade especial - grave e séria - como canta o Rui Veloso. Gosto muito de vir cá, embora não gostasse de cá viver. Quem se habitua à mágica luz de Lisboa nunca mais consegue trocá-la por outra, sobretudo pela do Porto, que é bem mais sombria. Tu, então, que és pintor… mas vir até cá, de vez em quando, é um prazer. Calhou mesmo bem a inauguração desta tua exposição tão longe de casa, com uma razão destas o Daniel não teve coragem de dizer que não. E um fim-de-semana destes de vez em quando é essencial para o meu equilíbrio, dou-me mal com as rotinas. Outro cenário, outros cheiros, outras cores… percebes o que quero dizer? Percebes, claro. O pior é arrancar o Daniel de casa, ele é a antítese disto. Mas enfim, até não me posso queixar. A avaliar pelo que todos me dizem dele, parece que tenho conseguido verdadeiros milagres… e o mais engraçado é que ele acaba sempre por gostar, depois de conseguir vencer a inércia inicial. Às vezes não o entendo mesmo. Olha, são as vantagens de um casamento relâmpago, sem fase de incubação: ainda estamos a descobrir-nos! Já passaste essa fase há muito tempo? Pois, calculo que sim. Estás casado há quantos anos? Vinte e três?! Olha, eu, então, nem somados… deixa-me ver: foram nove com o Pedro Jorge (conheceste-o, não é verdade? Nessa época era diplomata de carreira, depois foi ministro), mais quatro – quase cinco – com o Carlos, e desta vez ainda não fiz um ano! Como vês… ah, mas agora é para sempre! Não te rias assim, olha que me vou ofender contigo. Eu bem sei que pensei o mesmo das outras vezes, mas agora estou mais madura. E mais cansada, também, para recomeçar tudo outra vez. Não, desta vez é para a vida. És engraçado, tu. Cultivas esse ar excêntrico mas afinal tens um casamento duradouro e sólido há uma data de anos. Qual é o segredo? Juro-te, gostava muito de saber. Pois, eu sei que não há receitas. Mas é bom saber que alguém, de vez em quando, encontra a sua própria fórmula. Porque tu encontraste, disso não tenho dúvidas. O teu casamento não é uma dessas prisões por obrigação ou preguiça de mudança. Não. Eu bem vejo que a Luísa te faz feliz. Vives satisfeito como um gato, confessa! A vossa relação é bonita de se ver. És talvez o caso mais flagrante de contraste que eu conheço: um artista – e dos bons! – com todas as inquietações e angústias que fazem nascer qualquer tipo de arte, e ao mesmo tempo um marido equilibrado e fiel, num casamento que se pode considerar burguês! Não me decepciones com essas graçolas, eu quero acreditar que és fiel à tua mulher… e também sei que não és rico, mas vives bem, caramba! A Luísa herdou uma bela quantia e soube aplicá-la bem, não precisa de trabalhar, e quanto a ti… os teus quadros vendem-se como pãezinhos quentes. Há muitos casais burgueses que vivem com metade dos vossos rendimentos…
Que sorte tivemos com o tempo! No meio deste Inverno chuvoso e triste, um fim-de-semana de sol magnífico! Quem havia de dizer? Até trouxe um livro, pensando que iríamos ficar enfiados no hotel. “Filhos da Sombra”, já leste? Do Joaquim Torres, disseram-me que é muito bom. Mas ainda nem o abri, o que me apetecia mesmo era deitar-me na relva a apanhar sol. Os nossos preguiçosos nem sabem o que estão a perder por ter ficado na cama esta manhã! Coitado, o Daniel anda cansadíssimo, foi bom ter aproveitado para dormir. Aquele hospital dá cabo dele. Chega a casa morto de cansaço, mal abre a boca. E a Luísa dorme sempre de manhã, não é? Faz bem, deve ser por isso que tem aquela pele óptima… que inveja! É tão bonita, a tua mulher. Não admira que continues a amá-la, tu que és mais sensível à estética do que a maioria das pessoas. Deixa-te de histórias, eu sei que a amas. E também sei que não é só pela beleza dela… há qualquer coisa naquela mulher que te pacifica, que te mantém ligado à terra. Se não fosse ela… acho que voavas, que te sumias no ar como as tuas meninas.
Está bem, pronto, falemos então delas. Se queres mesmo saber, a tua pintura causou-me uma impressão forte, gostei francamente. Reconheço que não é para qualquer ambiente. As decorações clássicas, mais pesadas, sufocariam as tuas meninas etéreas, tão delicadas, a gritar por espaços claros, panos esvoaçantes e janelas abertas a deixar entrar a luz…
Deviam fazer-se ambientes para quadros, e não o contrário. A propósito, é pena que elas estejam enclausuradas na cave da galeria. Precisam de sol, são como eu. Mas, voltando ao que me sugeriu a tua pintura, é engraçado (mas afinal acontece com todas as formas de expressão) como ela tem várias leituras possíveis, a vários níveis, e se calhar nenhuma dessas leituras é a que te inspirou. A expressão plástica tem destas coisas, depende dos olhos que a vêm, não é? O que estou a fazer é a dar-te a minha interpretação, o que me veio à cabeça quando vi os teus quadros. Mas não a leias como a de um crítico de arte, é puramente emocional e sem quaisquer fundamentos técnicos, obviamente.
Primeiro que tudo ressaltou a tua extrema sensibilidade, eu diria que quase feminina. Achei tocante a delicadeza, a leveza, a pureza que os teus quadros respiram. E não tem nada a ver com infantilidade, pelo contrário. A paz é um longo caminho de maturidade. És um homem maduro, quer queiras quer não! Em todos os sentidos… desculpa, estava a brincar outra vez e tu pediste-me uma reflexão séria. Pronto. Apaga a última frase. Agora a sério, faço-te o maior elogio que poderia fazer-te: as tuas meninas lembram-me as do Botticelli. Juro, e olha que eu sou louca pelo Botticelli. É o meu pintor favorito. Mas é verdade: são leves e puras como as dele. Não te babes. Eu sei que ele é um mestre, e depois? Não posso achar que tu também és? Claro, eu sei que há também séculos de distância entre elas, mas, de alguma maneira que não te sei explicar, vejo as tuas como reencarnações das outras. Não, não como cópias. É como se todas elas tivessem nascido de conchas, como a Vénus. Ao mesmo tempo são completamente diferentes. Como segunda leitura, vejo esse teu lado esotérico, toda essa simbologia que há nos arcos e portais de onde elas saem, das luas para que olham, das estradas que percorrem sem pôr os pés no chão. Para os não iniciados, são meros elementos decorativos e cumprem muito bem essa função. Mas para quem tem umas luzes… ah, elas são sereias, cantam para nos encantar e as seguirmos! Até onde?, pergunto-me. É inquietante pensar nisso… O Daniel achou-as muito bonitas, só isso. E inveja-te por causa dos modelos que lhes deram origem… não estou a cometer nenhuma inconfidência, foi ele mesmo que to disse! Ele também trabalha com corpos, é verdade, mas raramente são perfeitos e, pior do que isso, estão doentes. É muito diferente, não compares. Mas aquilo de que ele não se apercebeu é que as meninas dos teus quadros vivem noutra dimensão. Não faz segundas leituras. É um pragmático, o Daniel. Deformação profissional, conta só com o que é palpável… e a Luísa, o que acha delas? Nunca te perguntou porque pintas meninas diáfanas há tanto tempo, porque é esse o teu único tema? Não te faz perguntas, nunca? Vês, é o que eu te digo, ela é que é uma mulher inteligente… eu, com as minhas inseguranças, já te teria infernizado a vida por causa disso… haveria de comparar-me com elas constantemente e chegar sempre à conclusão de que eram mais novas, ou mais bonitas… sou idiota, eu sei, não precisas de mo dizer na cara! Não, não sou bonita nem nova, estás a ser caridoso. Ah, agora fazes-me corar, o Daniel nunca me disse uma frase tão bonita! És um poeta… podias ensinar ao teu amigo algumas dessas tiradas de charme! Mas, agora a sério: a Luísa nunca teve ciúmes das tuas meninas? Não? Vês, é uma mulher superior! Tiro-lhe o chapéu!
Sabes o que o Daniel me disse no outro dia? Que gostava que tu me pintasses, um dia. Imagina! Mas tu não fazes retratos, pois não? Fazes? Ah, não sabia… então talvez queiras pensar nisso, que tal? Seria uma menina com mais rugas e mais quilos, mas é o que se pode arranjar. E a Luísa, achas que não se importaria? Tudo menos arranjar-te problemas domésticos… E não sei se quero, pensando bem. Tu és perigoso, eras bem capaz de roubar-me a alma para a pôr no quadro. Assim uma espécie de Dorian Gray, estás a ver? E eu quero envelhecer como os outros mortais, não quero uma tela a envelhecer por mim. Ah, ainda bem que te faço rir, estavas tão sério quando saímos do hotel....
Olha, em resumo, adorei as tuas meninas e quero uma delas no meu quarto. Será um ménage a trois a propor ao Daniel. Um piscar de olho à transgressão, para aquela cabeça conservadora! Pronto. Com isto acho que te digo tudo. Estás preocupado connosco? Porquê? Não há motivos para isso. Não sei explicar-te por que razão, mas a verdade é que adoro o teu amigo, mesmo sabendo que ele é completamente diferente de mim. E eu sou um camaleão, adapto-me com facilidade. Desde que tenha os meus escapes, de vez em quando… é por isso que me fazem tão bem estes fins-de-semana fora de casa. Percebes isso, não é? Mas, voltando ao assunto, acontece que a tua menina no nosso quarto há-de ser um elemento de provocação, exactamente o que eu quero. E ele gosta de ser provocado, garanto-te. Como a Luísa? Vês, é o que eu te digo: eles são parecidos, nós também. Os extremos atraem-se, o que é próximo não nos parece tão apelativo. Está decidido, a tua menina vem morar connosco! Mas, espera aí, não estou a pedir-te presentes. Eu sei que vives disso, e felizmente posso pagar-te. Só te peço que me deixes ser a primeira a escolher, está bem? Estou a pensar exactamente numa delas, a que se funde com a lua, sabes? É aquela com que mais me identifico. Pode ser para mim, essa? Pode? Obrigada, és um amor.
Bem, agora confesso que já estou um bocadinho cansada. Gosto muito de andar, mas há mais de uma hora que não paramos! Que tal sentarmo-nos aqui nesta esplanada? Tomamos café e esperamos pelos nossos dorminhocos, que devem estar ainda no segundo sono… Que horas são? Só?? Meu Deus, fomos mesmo madrugadores! Temos muito tempo ainda pela frente antes que eles apareçam. E ainda bem, porque temos tanto para conversar…
Posted by ana v. at 13:00 8 comments
Labels: Short stories
sexta-feira, 13 de julho de 2007
Ouvido Absoluto
Quando eu era criança, a minha professora de Educação Musical "diagnosticou-me" um ouvido absoluto. Na altura eu não fazia a menor ideia do que isso queria dizer, e, com medo de ser gozada pelos outros miúdos ou de que aquilo fosse alguma espécie de doença, nunca falei do assunto a ninguém. Acho que nem os meus pais souberam, pelo menos por mim.
(Versão de Eva Cassidy do American Tune, "de Paul Simon")
(A melodia original, de Bach)
Posted by ana v. at 03:48 16 comments
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