segunda-feira, 31 de março de 2008

O pior de nós

Recebi este texto de um amigo, por e-mail, com o pedido de divulgá-lo pelos meus contactos. Melhor do que isso é pô-lo aqui, o que faço com muito gosto. Fiz alguma pesquisa para confirmar a veracidade desta história inacreditável, e parece que é mesmo verdadeira. Por incrível que pareça, um espírito doente lembrou-se de chamar Arte a esta cruel aberração. E, pior do que isso, alguém (com responsabilidades neste sector) lhe deu cobertura. Pela segunda vez, ainda por cima.
«Como muitos devem saber e até ter protestado, em 2007, Guillermo Vargas Habacuc, um suposto artista, acolheu um cão abandonado de rua, atou-o a uma corda curtíssima na parede de uma galeria de arte e ali o deixou, a morrer lentamente de fome e sede. Durante vários dias, tanto o autor de semelhante crueldade, como os visitantes da galeria de arte, presenciaram impassíveis a agonia do pobre animal. Até que ele finalmente morreu, seguramente depois de ter passado por um doloroso, absurdo e incompreensível calvário.

Parece-lhe forte? Pois ainda não é tudo: a prestigiada Bienal Centroamericana de Arte decidiu, incompreensivelmente, que a selvageria que acabava de ser cometida por tal sujeito era Arte, e deste modo tão absurdo Guillermo Vargas Habacuc foi convidado a repetir a sua cruel acção na dita Bienal em 2008. Facto que podemos tentar impedir, colaborando com a assinatura nesta petição:
(não tem que pagar nem registar-se para assinar a petição) para que este homem não seja felicitado nem chamado de 'artista' por tão cruel acto, por semelhante insensibilidade e desfrute com a dor alheia.»

Nota minha: Por outras fotografias que encontrei na net pode ver-se a indiferença com que os visitantes da galeria reagiram a esta "experiência". Ninguém se lembrou, ao que parece, de tirar dali o cão, de levar-lhe comida ou, pelo menos, de perguntar qual seria o seu destino. Por cima do animal, na parede, há frases escritas... com ração! A natureza humana não pára nunca de me surpreender.
Eu já assinei a petição, claro.

Leva tempo


Leva tempo entender que a vida é curta.
Às vezes, leva quase toda a vida.
O vivo, quando entende, agora surta,
busca agarrar a vida já vivida

e perde o pouco tempo que lhe resta
cavando o tempo em busca de si mesmo.
Gastasse as poucas horas numa festa,
evitaria esse final a esmo.

A vida é curta além do que entendemos
porque nenhum de nós foi avisado
do tempo que anda além do que o que vemos.

Se o fôssemos, quem não teria dado
mais tempo ao "meu amor" do que ao "oremus",
mais glórias ao virá do que ao passado?

Jayme Serva, no seu melhor.

Baptizados


Como prometido - tenho que explicar aos leitores incautos que esta é uma private joke entre mim e os amigos Fugidia e Réprobo - aqui está uma fotografia do meu baptizado. Foi em Março e em Sintra (na Igreja de Sta Maria), o que, além do facto de eu ter só um mês de vida, justifica a toilette enchouriçada...
Estou ao colo da minha madrinha, que respondeu ao convite dos meus pais com um longo arrazoado em verso, que acabava assim:
E se não vier chuvinha
(no que temos muita esperança)
irá bonita a madrinha
com um chapéu que veio de França!
Não choveu, pelos vistos.

domingo, 30 de março de 2008

Clap, Clap, Clapton

O grande Eric Clapton faz hoje 63 anos. Aqui o têm, numa canção de James Taylor de que eu gosto muito, a assinalar o dia. Escolhi esta versão "karaoke" para poderem cantar com ele. Parabéns, Eric, e obrigada por tantos e tão fantásticos momentos que me tens dado. No teu caso acho que se pode aplicar, sem favor, a máxima do vinho do Porto: quanto mais velho...

(Don't let me be lonely tonight- Eric Clapton)

(Nota: Esta homenagem foi uma sugestão de um amigo, igualmente fã de Eric Clapton e sempre atento a estas efemérides da boa música. A escolha da música é minha.)

Feira de Velharias (3)

Já ouviu falar?

- Já ouviu falar na Cidadela de Cascais, nos chalets do Monte Estoril, no Jardim dos Passarinhos, na Praia dos Pescadores, na pastelaria Garrett, no Casino Estoril?

-Não, não faço ideia. O que são todas essas coisas com nomes curiosos?

- São enfeites simpáticos e bonitinhos, que puseram à volta do Estoril Sol Residence para lhe dar um charme especial e um certo arzinho retro que satisfaz o gosto sofisticado dos futuros moradores.
- Ah, sim, o Estoril Sol Residence conheço, evidentemente!! Do resto é que nunca tinha ouvido falar...
(Nota: Publicado pela primeira vez em 15/07/2007. Clique para ver o video)

sábado, 29 de março de 2008

Cata-Ventos

Humores
EBDP, em Em Bicos de Pés

Primeiro de Março
Azia, no Azeite & Azia

Fragmento VIII
Estrelicia Esse, no Arcádia Lusitana

O Telefone Vermelho
O Réprobo, no As Afinidades Afectivas

Livros irrequietos
Huckleberry Friend, no Codornizes

Sensação de eternidade
Sofia, n' O meu Cais

O fiambre e o telemóvel
Pedro Correia, no Corta-Fitas

Indomável Pecadora
Meg, no Sub Rosa

Tibet (Saudades minhas)?
Pedro Aniceto, no
Reflexões de um cão com pulgas
?
Júlia Moura Lopes, n' O Privilégio dos Caminhos

Feng-Shui a dias
Laura Abreu Cravo, no Mel com Cicuta
Bagdad
Manuel, no Palombella Rossa

Fasquias

A vida está cheia de estranhas coincidências. Que nos dão, se quisermos estar atentos, preciosas lições.
No mesmo dia aconteceu-me ouvir, de pessoas e em circunstâncias completamente diferentes, a mesma expressão para classificar-me: uma fasquia alta. Mas as reacções que este indubitável elogio produziu em mim foram, também, totalmente diferentes das duas vezes: numa delas senti-me recompensada pelo grau de exigência que procuro impor a mim própria, e estimulada para continuar a mantê-lo; na outra, pelo contrário, tudo o que desejei foi ser o oposto - uma fasquia bem mais baixa, dessas que qualquer atleta vence, sem medo do insucesso.
E assim constatei, uma vez mais, como tudo é relativo nesta vida.

sexta-feira, 28 de março de 2008

Observatório VII




Hoje é Natal



Fomos agora surpreendidos (?) pelo presente de Natal inesperado (?) e fora de época (?) que Papai Zé Noel nos deu: devolveu 1% do Iva que nos tinha rou... sobrecarregado há três anos. Presente todavia incompleto, pois ainda guardou metade para futuras oportunidades, para além de outros impostos que, então aumentados, ficam agora na mesma.

A surpresa é, praticamente, nenhuma. O gato, escondido, já estava com o rabo de fora há algum tempo, pois as forças vivas já de há muito reclamavam a reposição deste imposto. Mas foi inesperada a precaução de devolver só metade, não fazendo a reposição para o nível de taxa em que estava, apesar das contas públicas estarem, ao que parece, de boa saúde, com o afamado défice bem controlado.

A época escolhida também não trouxe surpresa. Entrámos no ciclo da inevitável campanha eleitoral, com as inevitáveis benesses que acompanham as promessas de um futuro melhor, tantas vezes meros slogans de campanha, tantas vezes ignoradas, tantas vezes não cumpridas. Como esta, aliás, da promessa furada de não aumentar os impostos.

Mas não deixa de ser curioso o aviso à navegação feito pelo Ministro das Finanças, de que os agentes económicos deveriam fazer reflectir esta prenda no sapatinho do consumidor, ajustando, para baixo, os preços dos produtos que vendem já com o Iva incluído, uma vez que o imposto baixou. É curioso porque parte do princípio de que esses agentes o não vão fazer.

E acho que tem razão. Também duvido que o mercado baixe preços só porque este imposto baixou, apesar de os ter aumentado quando subiu. É um contra-senso, bem sei. É pouco…honesto, diria, mas não acredito que sobre os produtos correntes do nosso consumo diário sintamos qualquer diferença.

Portanto, o que sobra? Que as empresas vão pagar menos imposto, mas, cobrando o mesmo sobre o consumo, vão ficar mais ricas. Será que essa riqueza se vai reflectir na economia através de novos investimentos nos aparelhos produtivos, melhorando, assim, indirectamente, a vida de todos nós?

Sinceramente, também duvido. Mas temos sempre no horizonte próximo a expectativa de novos rebuçados, que nos adocem a boa vontade de continuarmos a acreditar nas campanhas que por aí hão-de vir, nas promessas que nos hão-de (re)fazer, sempre na eterna esperança de um País melhor, mais desenvolvido, mais próspero, mais europeu...

Em que, francamente, também já não acredito...
Pedro Silveira Botelho

Obrigada


Por indicação da Teresa Ribeiro, o Porta do Vento foi eleito blog da semana no Corta-Fitas. É uma distinção que muito me honra.
Obrigada à Teresa e ao Corta-Fitas, um dos blogs que tem a minha incondicional fidelidade desde que navego nesta onda blogosférica.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Amigos de talento - I

A inaugurar esta galeria de "Amigos de talento" que hoje começa aqui, um amigo recente mas muito especial: Manecas Costa, um músico com talento para dar e vender. É natural da Guiné-Bissau mas vive em Portugal há nove ou dez anos. Diz-se integrado e feliz por cá, coisa que sabe sempre bem ouvir a alguém que teve que ultrapassar barreiras raciais e adaptar-se a um novo mundo. Mas a música, que lhe está no sangue desde criança, abriu-lhe portas insuspeitadas. Depois de alguns anos de relativo anonimato e de uma primeira gravação, teve um convite da World Music para gravar o seu segundo cd em Londres, com a prestigiada chancela da BBC. Por lá ficou uns meses, actuando em salas históricas e fazendo um sucesso tremendo. Até em casa de Peter Gabriel tocou. Mas nem o facto de ter estado nos tops ingleses, deixando para trás nomes famosos, fez com que perdesse a simplicidade e o sorriso tímido e franco. Maior que a qualidade da sua música, só a sua qualidade humana.
Conheci-o num concerto em prol da Lusofonia (eu fazia parte da organização e era letrista de um dos outros artistas convidados), há cerca de um ano, com músicos de vários países tocando e cantando repertórios trocados entre si. Uma festa bonita, daqueles momentos especiais que só às vezes acontecem em palco. A palavra certa para descrever a sensação que me provocou a actuação do Manecas, nessa noite mágica, é esta: electrizante. Destacava-se entre os consagrados, voz e guitarra sobrepondo-se naturalmente, sem "atropelar" ninguém. Era, simplesmente, o melhor dos melhores. No fim do espectáculo conversámos imenso e alinhavámos, logo ali, parcerias futuras. Mas, como acontece tantas vezes, perdemo-nos de vista logo a seguir e tudo ficou em suspenso. Voltámos a encontrar-nos agora, porque é ele o inspirado guitarrista da canção "O inventor de abraços", uma das que tem letra minha no novo cd do Luís Represas. Tem estado na Galiza a fazer teatro mas vem cá sempre que pode, para estar com a família. Gostei de revê-lo e de saber dos êxitos que tem tido. Porque ele os merece, sem sombra de dúvida.
Aqui fica a canção que lhe ouvi nessa noite da Lusofonia, "Pertu di Bo", e também "O inventor de abraços", uma parceria que afinal fizemos sem saber. Mas outras virão.




terça-feira, 25 de março de 2008

De volta ao mundo real

Mais de 30 advogados começam, esta terça-feira, a colaborar com a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária para evitar a prescrição de milhares de multas de trânsito. Por cada proposta de decisão, cada advogado vai receber 1,67 euros.

(ler o resto da notícia aqui)

O estado de graça da minha primavera poética não durou muito. As notícias que nos entram pela casa dentro constantemente, triste realidade de um país à beira de um ataque de nervos (muito aguentamos nós, brandos cidadãos!) são de um absurdo pernicioso e inquietante. Estamos a viver num estado policial, muitos o sentem e todos os dias esta sensação aumenta. A pressão impõe-se, sem apelo nem agravo, e só muito raramente há uma compensação que alivie o garrote das medidas titânicas deste governo.
Sobre Justiça, acho que todos concordamos: temos, desde sempre, uma "justiça injusta" e demasiadamente lenta, em que casos de gritante e elementar reparação prescrevem por carência de efectivos e excesso de processos sobre as secretárias dos advogados que o Estado paga (leia-se: que nós, todos nós, pagamos com as nossas contribuições e impostos). Direitos básicos são ignorados, reclamações mais do que justificadas são liminarmente eliminadas pelo implacável cilindro do Tempo, sem que ninguém faça nada para alterar este estado de coisas.
A medida agora anunciada - as multas de trânsito prestes a prescrever, "salvas" do esquecimento por advogados privados pagos "à peça" pelo Estado (leia-se de novo: por todos nós) - prova bem, uma vez mais, o que é prioritário para os nossos governantes: arrecadar receitas, a todo o preço. A criatividade das medidas é toda canalizada para este objectivo único, que se sobrepõe a todas as outras necessidades nacionais. Uma solução deste tipo - a contratação pontual de advogados desempregados ou mal pagos - pagando-lhes da mesma forma, poderia acelerar a resolução de muitos desses casos que se eternizam nos tribunais. Mas não: ganhou a caça à multa e aos trocos dos portugueses. Isso, sim, é importante. Estamos entendidos.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Primavera Poética

Deixei passar em branco o Dia da Poesia (deste até gosto, apesar de achar que todos o são igualmente) e o dia da chegada da Primavera. Tudo é recuperável, sobretudo as comemorações, seja lá do que for. Aqui se recordam ambos, hoje, porque tudo é quando um homem quiser. Ou uma mulher, neste caso.


FLORES

Era preciso agradecer às flores
terem guardado em si,
límpida e pura,
aquela promessa antiga
duma manhã futura.

Sophia de Mello Breyner

(Nota: Um dos meus pintores preferidos e uma poeta que adoro, escolhas de sempre. A repetição de Sophia em dois posts seguidos diz bem da minha preferência).

domingo, 23 de março de 2008

Saudade

«A Menina pôs a sua cabeça dentro do cálice da rosa e respirou longamente.

Depois levantou a cabeça e disse suspirando:

- É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.

- Isso é por causa da saudade - disse o rapaz.

- Mas o que é a saudade? - perguntou a Menina do Mar.

- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.»
(A Menina do Mar - Sophia de Mello Breyner Andresen)

Eleni Karaindrou - Trojan Woman

(Nota: encontrado aqui)

sexta-feira, 21 de março de 2008

Aí vem mais um Código

«Londres, 20 Mar (Lusa) - Quase 700 anos depois da sua dissolução no Concílio de Vienne (França) em 1312, a lendária Ordem dos Cavaleiros Templários ressurgiu das trevas da História de uma forma insólita, com um enigmático anúncio num diário britânico.
Desde aquele concílio, os Templários pareciam ter-se esfumado da face da Terra até terça-feira, quando o diário The Daily Telegraph publicou um grande anúncio com um título chamativo: "A ANTIGA E NOBRE ORDEM DOS CAVALEIROS TEMPLÁRIOS".
O aviso, divulgado precisamente quando se cumpriam 694 anos da morte de Jacques de Molay, celebra a decisão que o Vaticano tomou no ano passado de divulgar o denominado "Folio de Chinon", um pergaminho descoberto em 2001 nos Arquivos Secretos do Vaticano.» (...)

(Ler o resto da notícia aqui)

Palpita-me que quem vai tirar partido de tudo isto é o Dan Brown. E também o nosso Rodrigues dos Santos, que já deve estar de malas feitas para os lados de Tomar, à cata de uma versão portuguesa com muito sexo, pelos corredores do Convento de Cristo e do Castelo de Almourol...

quinta-feira, 20 de março de 2008

Observatório VI





Felicidade a prestações



Afinal, sou vaidoso. Quero dizer, hoje senti-me vaidoso, porque me senti importante. Melhor, fizeram sentir-me importante.
Na minha caixa de correio tinha uma carta que me era endereçada por uma entidade financeira, contendo ofertas e propostas para uma vida melhor. Não uma, nem duas, mas cinco, todas diferentes. Claro que fiquei... surpreso... sonhador... tentado... quem é que não quer uma vida melhor?...

Naquele envelope, de uma assentada só, ofereciam-me a possibilidade de um financiamento com vários dígitos, depositado directamente na minha conta bancária sem perguntas, sem respostas, sem quês nem porquês, de uma irresistível simplicidade sem burocracias (vi aqui a mão do Sr. Simplex), para gastar à minha vontade.

Depois, ofereceram-me uma reserva extra com mais dinheiro disponível, num cartão de supermercado que uso (necessário para me trazerem as comprinhas a casa), mais viagens a preços incríveis para os destinos paradisíacos com que todos sonhamos, telemóveis topo de gama (óptimos para aumentarem a minha já tão obesa vaidade) e, ainda, um leque esplêndido de belos electrodomésticos, daqueles que precisamos e que não precisamos, todos eles a fazerem tudo sozinhos (imprescindíveis, portanto), libertando-nos daquelas tarefas tão enfadonhas (sim, porque eu também ajudo em casa). Estava feliz. O dia não podia ter acabado melhor.

É claro que não somei as prestações de todas aquelas maravilhas, cada uma anunciando a excelente oportunidade que representava e que eu não podia perder. Tal como não o devem ter feito os milhares de famílias portuguesas endividadas até à raiz dos cabelos, com milhões de dívidas em créditos ao consumo e a viverem com uma mão à frente e outra atrás, sem dinheiro para comer nem para pôr gasolina no carrinho novo que as arruinou. Mas a carne é tão fraca e o sonho tão grande, que é difícil resistir a tantos convites e solicitações, ali disponíveis à distância de um gesto.

A iluminada política económica que nos rege fecha os olhos. Acha que sim, que assim se espevita o mercado, se desenvolve a economia e se promove o bem-estar das famílias. Fica tudo satisfeito e aí vamos nós na senda do socrático progresso...
Até que o último apague a luz...


Pedro Silveira Botelho

Uma reflexão para a Páscoa

Germany: The Melander family of Bargteheide
Food expenditure for one week: 375.39 Euros or $500.07
United States: The Revis family of North Carolina
Food expenditure for one week $341.98
Italy: The Manzo family of Sicily
Food expenditure for one week: 214.36 Euros or $260.11

Mexico: The Casales family of Cuernavaca
Food expenditure for one week: 1,862.78 Mexican Pesos or $189.09
Poland: The Sobczynscy family of Konstancin-Jeziorna
Food expenditure for one week: 582.48 Zlotys or $151.27
Egypt: The Ahmed family of Cairo
Food expenditure for one week: 387.85 Egyptian Pounds or $68.53
Ecuador: The Ayme family of Tingo
Food expenditure for one week: $31.55

Bhutan: The Namgay family of ShingkheyVillage
Food expenditure for one week: 224.93 ngultrum or $5.03
Chad: The Aboubakar family of Breidjing Camp
Food expenditure for one week: 685 CFA Francs or $1.23

(Nota: recebido por mail)

Jardim da Preta

Domingo passado, depois do almoço. Subi as escadas do largo do Palácio da Vila, invadido de turistas e famílias portuguesas em passeio. Diriji-me ao guarda de serviço, que olhava o quadro à sua volta com um enfado evidente.


- Boa tarde. O Jardim da Preta está aberto? Posso lá ir?
- Fazer o quê? (O enfado anterior pareceu-me ter passado a ódio. Por mim.)
- Passear, claro. Não posso?
- Não, não pode. O Jardim está fechado há muito tempo, para restauro. (Fantasia minha, ou esta frase de proibição causou-lhe verdadeiro prazer?)
- E quando volta a abrir ao público?
- Não sei. Mas não vai ser tão depressa, está tudo parado.
- Oh, que pena! Não pode abrir-me a porta, só para matar saudades e tirar uma fotografia?
- Não. Não tenho autorização.
Assunto arrumado, portanto. Comecei a afastar-me, triste pela decepção e irritada com tanta antipatia explícita. Fiquei a olhar a porta fechada e o muro branco, tentando divisar alguma coisa do outro lado. Como se tivesse visão raio-x, sei lá. Quando era criança e brincava ali dentro, acreditava nisso e em muito mais. E foi então que alguém me tocou no braço.
- A senhora quer entrar no Jardim da Preta, porquê? (A rapariga fardada tinha um sorriso franco, parecia realmente interessada em dar-me uma alegria. Que diferença do outro!)
- Porque tenho saudades e já não vou lá há muitos anos. E gostava de tirar uma fotografia ao tanque da Preta, só isso. Pode abrir-me a porta, só por um bocadinho? Juro que não demoro. (A esperança renascia em mim, naquele momento, com a força da notícia de uma vitória no euromilhões.)
- Eu não posso, mas acho que está com sorte. Aquele senhor ali (apontava-me um homem de bigode, a um canto) é o encarregado da obra do Jardim. Hoje apareceu por cá e é ele que tem a chave. Peça-lhe, talvez ele deixe. (O tom cúmplice comoveu-me).
Agradeci-lhe e voei para o homem do bigode, com o meu melhor sorriso. Demorei um bocadinho a convencê-lo de que não era uma jornalista a espiolhar incúrias camarárias. Por fim, depois de fazer-me um curto mas cirúrgico inquérito, destinado a confirmar se eu conhecia, como dizia, cada recanto do Jardim (passei com distinção: conheço-o a palmo e de olhos fechados) deu-me a maior alegria que podia dar-me - abriu a porta, trancada com uma velha chave de ferro (Abre-te, Sésamo!) e deu-me passagem para o mundo encantado, mágico e imutável, que é sempre o mundo da nossa infância.
Entrei com lágrimas nos olhos e passos tímidos, como se fosse violar um sacrário. Fiquei por ali um bocado, invadida por uma comoção tão forte que me fazia passar a mão pelos canteiros, pelo tanque, pelas figuras de estuque, esboroado pelo tempo e pelo desleixo de quem devia cuidá-las. Tudo aquilo a precisar de restauro urgente, de facto. "Mas não há verba, minha senhora, é um dó. Isto vai tudo desaparecer". O homem do bigode percebera que eu estava em transe e deixava-me vaguear por ali. Mal o ouvia, nas suas queixas mais do que justificadas contra um poder que nega a recuperação de um património mundial. Ou de um património emocional, como eu o sentia naquele momento. O imponente castelo reflectido na água esverdeada, o grande leão de pedra, a criada preta debruçada no tanque da roupa, o galante fidalgo que a olha, embevecido e apaixonado... e, enfim, todas as infindáveis histórias que a minha imaginação fértil de criança inventou um dia para aquelas figuras, tudo me puxava para uma dimensão mítica, difusa, uma espécie de paraíso perdido.
- Agora tenho mesmo que fechar a porta, minha senhora. Vamos?
Obedeci-lhe, claro. Nem sei há quanto tempo estava ali, obrigando o pobre homem a esperar por mim. Ainda fiz, à pressa, estas fotografias, que não fazem justiça à magia daquele lugar. Agradeci-lhe mais uma vez, ainda comovida. E fui dar um beijo repenicado à rapariga sorridente que me proporcionara todo este luxo (o Jardim da Preta, só para mim!), que ficou a sorrir ainda mais. Se não tivesse vergonha de fazer essas coisas, teria metido uma nota no bolso da farda azul escura, discretamente. Mas não consigo fazê-lo em nenhuma circunstância, tenho sempre medo de ofender o destinatário. Sei que eu me ofenderia, se alguém me fizesse isso. Portanto, disse-lhe só um "obrigada", em voz trémula. E fui passear, feliz.

quarta-feira, 19 de março de 2008

A coração nu


Uma verdade desencarnada e invisível não passa de um vazio. A verdade de certas pessoas no entanto ressuma dos poros como uma espécie de luz que não se pode ver a olho nu.
A verdade só pode ser percebida a coração nu.
Adelaide Amorim, no seu melhor.

Homenagem


Acabam de desaparecer dois homens difíceis de ignorar, ligados ao mágico mundo do cinema:
Arthur C. Clarke, o visionário escritor de ficção científica e criador do eterno 2001 - Odisseia no Espaço, aos 90 anos;
e Anthony Minghella, o realizador de filmes tão importantes como, por exemplo, O Paciente Inglês e O Talentoso Mr. Ripley (gosto mais ainda do segundo, que considero um dos grandes filmes que já vi), aos 54 anos apenas.
De Clarke, ficou-nos uma herança promissora: 3001, The Final Odissey. I just can't wait...
Dizer que o cinema ficará mais pobre sem eles, é puro eufemismo.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Feira de Velharias (2)

A vitória do sr. Costa

Vieram de Freixo-de-Espada-à-Cinta, de Cabeceiras-de-Baixo e de Alguidares-de-Cima, todos eles interessadíssimos no resultado das eleições na capital. Chegaram nas carrêras apinhadas, cantando a plenos pulmões, pelo caminho: "1, 2, 3, 4, 5, 6, 7... viva a nossa caminete!" e "Senhor chófer, por favor, ponha o pé no acelarador!".
Trouxeram os fatos de-ver-a-Deus, as arrecadas e cordões de ouro e os sapatos bem engraxados, porque não é todos os dias que se aparece na televisão. Sorriram para as câmaras com as dentaduras dançantes, sonoras como castanholas, de olhos arregalados pelo tamanho do hall do hotel Altis (maior do que a Casa do Povo inteirinha, benza-o Deus!). Receberam bonés e bandeirinhas para agitar no ar, que puderam levar para casa para exibir depois, orgulhosamente, no vidro de trás do carro. Tiveram direito a ração melhorada e a fotografia de grupo da excursão, para mais tarde recordar.
Mas... recordar o quê? Que foi preciso chegar-se ao ridículo de recrutar gente por esse país fora para fazer número, para gritar vivas ao candidato vencedor de Lisboa (aquele senhor que aparecia dantes lá na terra, a prometer muitas coisas quando toda a serra já tinha ardido...), porque os lisboetas se estão marimbando para a palhaçada da política, foram todos a banhos e já descobriram, há muito tempo, que não há almoços grátis?
Era vê-los, felizes mas um bocadinho apardalados, sem saber muito bem ao que vinham. Por Mafra passaram a correr, viram o convento de longe, "é grande, o manganão", e desaguaram em Lisboa sem saber como. Mas, que importa lá isso? Valeu o cumbíbio. E os comes e os bebes.
O resto?... o resto é paisagem!
(Publicado a primeira vez em 17-07-2007)

domingo, 16 de março de 2008

Sintra revisited - 2

Mais um passeio a pé por Sintra, neste Domingo de sol tímido.
A Correnteza, sempre o ponto de partida. Hoje animada pela quinzenal feira de velharias, (pobrezinha, mas honrada)

A minúscula capelinha de N. Sª da Pena, escavada na rocha, que nos servia de esconderijo perfeito quando brincávamos "às escondidas". Agora está invadida por flores de plástico e velas (também de plástico) de loja chinesa, tristes presentes a agradecer graças concedidas.

No alto, impossível de ignorar, o Castelo dos Mouros, uma imponente presença a lembrar os visitantes que já aqui estava antes de tudo o resto.

O velho Lawrence's, agora impecavelmente restaurado, ainda respira as histórias queirozianas que lhe ficaram, para sempre, impregnadas nas paredes.

Mesmo ao lado, a Casa-Museu Ferreira de Castro (olá, vizinho!)

A porta lateral da Igreja de S. Martinho da Vila, engalanada de palmas para a Páscoa que se avizinha.

O simpático Hotel Netto, ou o que dele resta. Faz dó o abandono em que está hoje: uma lixeira imunda em plena Vila, mesmo ao lado do Palácio. Lembro-me bem de vê-lo limpo e arranjado, orgulhoso de tão nobre vizinhança. (esta é em sua honra, amigo Réprobo)

O vizinho Jardim da Preta, já dentro do Palácio, o meu "país das maravilhas" preferido, onde brinquei tantas e tantas vezes. Merece destaque especial, por isso não me alongo mais aqui.

A incontornável Piriquita, templo maior da doce tetralogia de Sintra (Preto/Sapa/Piriquita/Gregório), afundada em território de turistas caça-souvenirs, entre bordados e azulejos. É um verdadeiro sacrilégio, para quem vem à Vila velha, deixar de ir à pátria dos travesseiros comer ao menos um, sempre a sair do forno.

O velho ringue de patinagem onde ensaiei as primeiras piruetas "artísticas" sobre rodas, que me renderam alguns aplausos e um ou outro namorado, uns Verões mais tarde, no Parque de Santa Marta, na Ericeira. Aqui havia também (não sei se ainda existem) exposições caninas muito concorridas.

Uma maternidade de hortênsias no Parque, prontas para enfeitiçar ainda mais os olhos dos visitantes, já saturados de tanta beleza.

Sintra é, sobretudo, isto: uma bebedeira de verdes, pedras musgadas e águas cristalinas, tudo envolvido numa incomparável aura de mistério.

Mas é também o insólito, à espreita em cada recanto.

E finalmente a bela Adraga, secreta e misteriosa. Um desses lugares tão especiais que dele se poderia dizer, como em Casablanca: "Teremos sempre... a Adraga!". Aqui nos espera, em qualquer estação do ano, um peixinho fresquíssimo e a mais revigorante maresia.

(aqui já fui de carro, nada de batotas...)

Até à próxima.