Felicidade a prestações
Afinal, sou vaidoso. Quero dizer, hoje senti-me vaidoso, porque me senti importante. Melhor, fizeram sentir-me importante. Na minha caixa de correio tinha uma carta que me era endereçada por uma entidade financeira, contendo ofertas e propostas para uma vida melhor. Não uma, nem duas, mas cinco, todas diferentes. Claro que fiquei... surpreso... sonhador... tentado... quem é que não quer uma vida melhor?...
Naquele envelope, de uma assentada só, ofereciam-me a possibilidade de um financiamento com vários dígitos, depositado directamente na minha conta bancária sem perguntas, sem respostas, sem quês nem porquês, de uma irresistível simplicidade sem burocracias (vi aqui a mão do Sr. Simplex), para gastar à minha vontade.
Depois, ofereceram-me uma reserva extra com mais dinheiro disponível, num cartão de supermercado que uso (necessário para me trazerem as comprinhas a casa), mais viagens a preços incríveis para os destinos paradisíacos com que todos sonhamos, telemóveis topo de gama (óptimos para aumentarem a minha já tão obesa vaidade) e, ainda, um leque esplêndido de belos electrodomésticos, daqueles que precisamos e que não precisamos, todos eles a fazerem tudo sozinhos (imprescindíveis, portanto), libertando-nos daquelas tarefas tão enfadonhas (sim, porque eu também ajudo em casa). Estava feliz. O dia não podia ter acabado melhor.
É claro que não somei as prestações de todas aquelas maravilhas, cada uma anunciando a excelente oportunidade que representava e que eu não podia perder. Tal como não o devem ter feito os milhares de famílias portuguesas endividadas até à raiz dos cabelos, com milhões de dívidas em créditos ao consumo e a viverem com uma mão à frente e outra atrás, sem dinheiro para comer nem para pôr gasolina no carrinho novo que as arruinou. Mas a carne é tão fraca e o sonho tão grande, que é difícil resistir a tantos convites e solicitações, ali disponíveis à distância de um gesto.
A iluminada política económica que nos rege fecha os olhos. Acha que sim, que assim se espevita o mercado, se desenvolve a economia e se promove o bem-estar das famílias. Fica tudo satisfeito e aí vamos nós na senda do socrático progresso...
Até que o último apague a luz...
Naquele envelope, de uma assentada só, ofereciam-me a possibilidade de um financiamento com vários dígitos, depositado directamente na minha conta bancária sem perguntas, sem respostas, sem quês nem porquês, de uma irresistível simplicidade sem burocracias (vi aqui a mão do Sr. Simplex), para gastar à minha vontade.
Depois, ofereceram-me uma reserva extra com mais dinheiro disponível, num cartão de supermercado que uso (necessário para me trazerem as comprinhas a casa), mais viagens a preços incríveis para os destinos paradisíacos com que todos sonhamos, telemóveis topo de gama (óptimos para aumentarem a minha já tão obesa vaidade) e, ainda, um leque esplêndido de belos electrodomésticos, daqueles que precisamos e que não precisamos, todos eles a fazerem tudo sozinhos (imprescindíveis, portanto), libertando-nos daquelas tarefas tão enfadonhas (sim, porque eu também ajudo em casa). Estava feliz. O dia não podia ter acabado melhor.
É claro que não somei as prestações de todas aquelas maravilhas, cada uma anunciando a excelente oportunidade que representava e que eu não podia perder. Tal como não o devem ter feito os milhares de famílias portuguesas endividadas até à raiz dos cabelos, com milhões de dívidas em créditos ao consumo e a viverem com uma mão à frente e outra atrás, sem dinheiro para comer nem para pôr gasolina no carrinho novo que as arruinou. Mas a carne é tão fraca e o sonho tão grande, que é difícil resistir a tantos convites e solicitações, ali disponíveis à distância de um gesto.
A iluminada política económica que nos rege fecha os olhos. Acha que sim, que assim se espevita o mercado, se desenvolve a economia e se promove o bem-estar das famílias. Fica tudo satisfeito e aí vamos nós na senda do socrático progresso...
Até que o último apague a luz...
Pedro Silveira Botelho
9 comments:
A mim já me aconteceu pior. Primeiro ofereceram-me crédito. Passados uns tempos já tinha dívidas por causa de um cartão que me enviaram e que nunca pedi ou utilizei. A trabalheira que tive para me livrar deles!
Pedro:
Texto bem escrito e certeiro como sempre, mas na minha opinião:
- há que exercitar um pouco da ironia queiroziana para arrombar de vez com a natureza humana e as instituições!
- A insistência no novel jargão " anti-establishment" tipo "vi aqui a mão do Sr. Simplex" ou "Fica tudo satisfeito e aí vamos nós na senda do socrático progresso..." e também a utilização de expressões idiomáticas como " viverem com uma mão à frente e outra atrás" ou " Mas a carne é tão fraca ..." deve causar uma confusão razoavel nos inúmeros irmãos brasileiros que procuram refúgio temporário no " Porta do Vento".
Sabemos todos que temos tudo em comum com os brasileiros menos a língua, mas não exageremos!!!
eheheh
um abraço
Ó Miguel, ainda me hás-de explicar o porquê desta marcação cerrada com os textos do Pedro, desde o primeiro! Não é que ele precise da minha defesa (provavelmente ainda nem leu o teu comentário) mas só porque não percebo a razão. Ainda são ciúmes do convite para escrever no Porta do Vento?? Não me digas!
Quanto à tua cruzada em defesa do governo actual... olha, já nem sei o que dizer. Mesmo que não sejas filiado no PS, como dizes, um dia destes oferecem-te uma pasta de ministro! Prepara-te... é que não deve haver maior fidelidade do que a tua!
E não te preocupes com os meus amigos brasileiros, que são todos suficientemente cultos e inteligentes para perceber as expressões idiomáticas que usamos aqui em Portugal...
gosto de ler esse teu amigo.
beijinho de Boa Páscoa aos dois
Beijinho para ti também, Júlia.
Uma boa Páscoa em meu nome e no do Pedro, que não está cá.
Um abraço para ti e para o Pedro: gosto, claro, dos textos do Pedro. E gosto também de me "meter" com as pessoas, brincando.Às vezes não resisto, apenas isso!
Caro Miguel olhe que você tem um estranho sentido de humor!
Excelente texto! Esta coisa dos portugueses gostarem de viver em bicos de pés tinha de acabar nisto! Pena que se viva uma época em que a única ideologia que as pessoas adoptam é o consumismo desenfreado...
Desejo-te uma boa semana!
Obrigada, Capitão.
Boa semana para ti também. E usaste bem a palavra: "ideologia" é o termo certo para o consumismo desenfreado de hoje em dia. Agravado pela impossibilidade de praticá-lo sem compromisso de tudo o resto, num país que já está de tanga.
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