domingo, 23 de março de 2008

Saudade

«A Menina pôs a sua cabeça dentro do cálice da rosa e respirou longamente.

Depois levantou a cabeça e disse suspirando:

- É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.

- Isso é por causa da saudade - disse o rapaz.

- Mas o que é a saudade? - perguntou a Menina do Mar.

- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.»
(A Menina do Mar - Sophia de Mello Breyner Andresen)

13 comments:

Sofia K. disse...

LINDO, LINDO, LINDO, LINDO!
Que boa maneira de começar o dia... cheio de saudade - 'Aquilo que fica do que não ficou!'

Um grande beijinho e muitas saudades

P.S. - Sabes que o meu pai, quando me lia esse livro, dizia que eu era a Menina do Mar? ;)

Sofia K. disse...

Hoje troco a caixinha de música pela leitura de embalar... E vai ser mesmo 'A Menina do Mar'! Queres melhor?

beijos

ana v. disse...

A Menina do Mar é um conto lindo, Sofia, concordo contigo. E esta definição de saudade é de uma simplicidade desarmante. Mas diz tudo, não é? As coisas bonitas também podem ser tristes, pelo menos na Terra...

Acho que o teu pai tinha razão: tu és mesmo uma Menina do Mar.
beijinhos

African Queen disse...

Tão lindo Ana! Eu a fazer batota com o trabalho (que já não aguento ler mais nada sobre o desenvolvimento socioeconomico na Europa) e a espreitar aqui numa pausa e tu a recordares-me a Menina do Mar... é por isso que eu gosto de visitar este blog :) Está sempre cheio de surpresas!

tcl disse...

É curioso... Ainda há poucos dias me lembrei deste conto que li quando era mesmo miúda (11, 12 anos?)e nunca mais reli. E agora dou com ele aqui...

ana v. disse...

Que bom, tantas sintonias!
Gosto que venham aqui fazer pausas no trabalho, é bom sinal...
Beijos a todas

O Réprobo disse...

Querida Ana,
este passo, sempre belo na singeleza das palavras empregadas, touxe-me à memória uma abordagem da rememoração que aqui proponho em paralelo da saudade:
a fala final de Gena Rowlands em «Uma Outra Mulher», de Woody Allen - "e fiquei-me, interogando-me se uma recordação é algo que se tem, ou algo que se perdeu".
O mesmo para a nostalgia.
Beijinho... e seja-me permitido testemunhar solidariedade à African Queen, a Quem adivinho o suplício.

ana v. disse...

Os seus contributos, Paulo, são sempre ricos e oportunos. Woody Allen é sempre uma boa achega, e, neste caso, verdadeiramente "na mouche". Boa questão, essa: também me pergunto se uma recordação é algo que ganhamos ou que perdemos, de facto.
Quanto à sua solidariedade com a AQ, tenho a dizer que nenhum dos dois (uma rainha e um príncipe) devia ter de ocupar-se de assuntos tão "menores" e desinteressantes como o desenvolvimento socioeconómico da Europa. O mundo é injusto...
Grande beijinho

cristina ribeiro disse...

A mim, esta passagem belíssima d'A Menina do Mar' fez-me lembrar de imediato a conversa da raposa com O Principezinho, de Saint-Exupéry, onde se fala também de sentimentos...
Beijinho

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

Escolheste a parte mais bonita da menina do Mar! E quando a gente escolhe um texto, ele fica a fazer parte intrinseca de quem o escolhe!
beijnho

ana v. disse...

Acontece o mesmo comigo, Cristina. É a magia das palavras grandes, geralmente as mais simples. Como se fosse fácil...

Júlia, gosto muito dessa ideia. Esta parte da Menina do Mar foi a que mais me tocou, ao reler o conto. E a saudade faz parte de mim, disso não duvido. Talvez não haja mesmo coincidências, quem sabe?

Beijos a ambas

Teresa disse...

Que bonito... que bonito... que bonito! Meu Deus, como é bonito!

Bonito a ponto de me encher os olhos de lágrimas. Há quantos anos não relia estas palavras... e, como diria outro poeta, e que saudades, Deus meu!.

Foi um dos primeiros livros que li e de que guardo uma memória muito nítida, juraria que foi lá pelos sete anos - digo isto porque no 1.º ano do ciclo, tendo a professora apresentado um excerto, eu disse que tinha o livro e ela pediu-me para o levar na aula seguinte. Ainda lembro as cores da capa, vários tons de azul, acho, e algum verde. Não o tenho há muito, amanhã vou procurá-lo.
Obrigada.

ana v. disse...

É um livro eterno, Teresa. Também faz parte do meu património emocional e estético.
Beijinho