quinta-feira, 3 de abril de 2008

Observatório VIII




Sem Rei nem Roque



A divulgação do vídeo do mais recente ‘escândalo’ numa escola pública – a cena de quase pugilato entre professora e aluna pela posse do telemóvel desta – veio revelar a faceta escabrosa da anarquia que se passa em muitas salas de aula, por esse País fora.

Cenas semelhantes têm-se repetido com alguma frequência nos últimos tempos, sendo cada vez menos raras as histórias de agressões perpetradas por alunos a professores.

O que não augura nada de bom no panorama do nosso ensino público, pois que o privado tem meios próprios para evitar que este tipo de situações ocorra para além dos parâmetros da mera indisciplina. Começa por fazer, logo no início, uma pré-selecção, nem que por mais não seja que pelo dinheiro que sai dos bolsos paternos todos os meses, continuando por medidas correctivas imediatas que culminam com a pura expulsão do aluno indesejado.

O ensino público não tem nenhum destes meios. Para já, porque é gratuito – todos têm acesso a ele – e, depois, porque a figura da expulsão não é sistema a que recorra habitualmente, sendo excepcional o deste caso agora vindo a público.

Fiquei sinceramente aturdido com este vídeo. Primeiro, porque achava impensável que um aluno desrespeitasse daquela forma um professor. Depois, pela chacota geral dos outros alunos, a gozarem nitidamente o espectáculo e a fazerem comentários tão pouco abonatórios.

Dir-me-ão que se vê que não sou professor. Pois não, não sou. Mas sou pai de cinco rebentos, duas já com os seus cursos, um universitário e dois estudantes do secundário, todos em universidade e escolas públicas. Onde sempre estiveram toda a vida, com excelentes resultados, mérito do seu trabalho, de alguns bons professores em que tiveram a sorte de tropeçar e, porque não dizê-lo, do envolvimento que nós, pais, sempre nos preocupámos em ter na sua vida escolar, acompanhando os sucessos e as dificuldades que foram surgindo.

E, francamente, acho que é neste ponto que reside a diferença dessa barbárie a que, por vezes, se assiste. O problema é, em grande medida, educacional. Compete-nos a nós, pais, educarmos os nossos filhos para não serem agentes daquelas tristes figuras em nenhum sítio, muito menos numa sala de aula e contra um professor. Eu morria de vergonha se algum filho meu estivesse metido naqueles lençóis... e ele também não ficaria lá muito bem, de certeza, primeiro com a sua consciência e, depois, comigo.

Naturalmente que também há responsabilidades por parte dos professores. Já conheci bons professores, na plena assumpção do termo, que se dedicam por amor à sua profissão, que têm as competências necessárias para ensinar e que conseguem, com a sua atitude e pedagogia, conquistar os alunos e merecer o seu respeito. Também já conheci os que de professores só têm o título. Entre uns e outros vai a distância de um mundo, que propicia a que estes casos existam.

Bons e maus professores são uma realidade e uma questão de sorte, para os alunos e para o seu futuro. Mas que a educação dada (ou não) em casa ajuda muito (ou não), isso é, para mim, inquestionável.

Pedro Silveira Botelho

15 comments:

Huckleberry Friend disse...

Na mouche, Pedro. Tenho para mim que muitos pais se demitem pura e simplesmente do seu papel de educadores. Ora, a escola, não sendo apenas um local de aquisição de conhecimentos, não pode substituir a formação de base, que se adquire fundamentalmente nos primeiros anos de vida. E que tem de ser, evidentemente, reforçada e consolidada com o passar dos anos, nesse núcleo fulcral para o desenvolvimento humano que é a família. Um abraço e parabéns por mais um belíssimo texto.

CPrice disse...

concordo na íntegra e assino em baixo aproveitando para deixar um voto pela lucidez deste texto.

ana v. disse...

Não tinha ainda falado aqui neste caso mas também eu concordo inteiramente contigo, Pedro. Muitos pais acham que a escola deve educar os filhos por eles, e isso é pura demissão. Pior ainda, cerram fileiras cegamente com os filhos quando estas coisas acontecem, e palpita-me que, lá no fundo, isso tem a ver com essa mal resolvida indiferença por eles, como a compensá-los por ela. Esquecem-se é de que fazem ainda pior, com essa atitude. E não os enganam nem os compensam, apenas convém aos filhos essa "solidariedade" nas horas de aperto e por isso a aceitam. É triste.

MariaV disse...

O que dizer das criancinhas que pulam no sofá onde nos sentamos perante a impassividade dos pais? Ou a interromperem constantemente as conversas, sem que os pais se imponham?
Não aguento quando oiço pais dizerem do filho de 2 anos: "Tem uma personalidade fortíssima!" ou "Tem um feitiozinho..."
Até prova em contrário, acho que as crianças são o que as deixamos ser. Nem mais, nem menos. Se em casa não lhes ensinam, desde pequeninos, o que é o respeito pelos outros, como irão elas aprender?
E este papel de educadores compete quase totalmente aos pais. Os professores devem, também eles, saber exigir educação e respeito aos alunos. O pior é que muitos pais e professores não têm, eles próprios, educação: uns não a dão e os outros não a pedem.
Só gostava de saber como se faz para resolver isto.

cristina ribeiro disse...

Completamente d'acordo. É assim que os pais preparam o "não-futuro" dos filhos...

miguel disse...

Bem, conheço o Pedro há muitos anos mas só recentemente lhe descobri numa façeta que desconhecia:a de Pai corajoso e consequente (por exemplo, com o que escreveu aqui hoje). Isto porque conheço-lhe a origem socio-económica e sei bem como o classimismo neste país se vai perpetuando a começar pela educação. Ora eu sou professor na mesma escola onde um dos filhos do Pedro andou. Ela é povoada por uma população escolar com jovens muito dificeis e , os que não o são, provêm de uma realidade cultural que decididamente não é a do Pedro e dos seus filhos. Ora , não obstante, o S. fez lá o percurso escolar secundário até ao 12º ano.

A 1ª vez que o vi tratou-me por "tio". Olhámos um para o outro e percebemos, tacitamente, que essa forma de tratamento era claramnete desadequada naquele contexto. O S. adaptou-se de maneira muito madura a um ambiente do qual , de certeza, se sentiu de início, desfazado.Questionava-o a esse respeito, periodicamente.

Devo dizer que a partir desse facto, ABSOLUTAMENTE INUSUAL, ganhei uma admiração que nunca lhes expressei pelo Pedro e pela Teté. bem hajam!

Luísa A. disse...

Também ainda não ultrapassei o choque que foi «ver» aquilo de que apenas ouvia falar. Penso que a «causa» da atenção à boa educação das crianças, na escola como em casa, merece muito mais do que uma semana de noticiários. Por isso, gosto tanto de a ver retomada aqui e nestes termos.

PSB disse...

Agradeço os vossos comentários e apraz-me ver a sintonia geral da vossa opinião sobre o papel fundamental dos Pais na educação, em termos latos, dos nossos Filhos. Não esperava outra coisa, sinceramente.

Miguel, lamento desiludir-te. Não sou especialmente corajoso pelo facto de pôr os meus Filhos a estudar em Escolas Públicas. Tal facto deve-se, exclusivamente, a razões de escala dada a prodigalidade da minha descendência (graças a Deus) versus o custo específico do ensino privado. Se tivésse tido condições, acredita que não tinha hesitado. Mas não pelas razões que apontas, pois em definitivo, não sou classicista. Mas porque, e é óbvio para mim, este aspecto particular da complementaridade do papel do Professor como Educador, é seguramente mais assumido no ensino privado do que no público. Saberás melhor isso do que eu, certamente. Mas também te digo, que a inevitabilidade de os ter posto no público, tem permitido que estejam mais preparados para as diferenças e para a realidade nua e crua da natureza humana, às vezes à custa de experiências desnecessárias que, por uma questão de sorte, não tiveram consequências dramáticas.
Um abraço.

Sofia K. disse...

� tudo uma quest�o de educa�o e essa come�a em casa, sem d�vidas! Bom texto, Pedro! � mesmo isso!

Sempre andei em escolas p�blicas, desde a prim�ria da prov�ncia at� � faculdade! No ciclo, trat�vamos as empregadas por 'tias' e no liceu andei no Pedro Nunes, que era, em tempos, a escola p�blica mais elitista de Lisboa! Havia em cada turma um ou dois, ou mesmo tr�s que se sentiam desintegrados, havia turmas de meninos 'n�o bem' que eram insultados, gozados e desprezados, por aqueles que julgavam ter o rei na barriga. Onde aprenderam a ser assim? Em casa, claro! Batiam com as portas, atiravam o lixo para o ch�o, tratavam as empregadas como criadas e os professores como seres inferiores. Na minha turma nunca tive cenas de viol�ncia, mas a m� cria�o vinha dos meninos da mais alta classe social! E acreditem que cenas como as que se fala na televis�o eram feitas por eles: rasgar os testes, chamar imbecil e n�o s� aos professores, fazer piadas de mau gosto, diminuir, grafitar as paredes com insultos... at� p�r alpista no bolso de um professor de apelido Passarinho! Acab�vamos todos na rua, uns a pagar pelos outros.

Conhe�o uma aluna que bateu num rapaz, durante a aula, e que a san�o foi ser suspensa durante tr�s dias e depois, trabalho comunit�rio na escola... n�o cumpriu nenhuma dessas penas, porque a m�e foi � escola dizer: Eu sou m�dica e o meu marido advogado, n�o somos de uma condi�o social que nos permita ter uma filha a lavar as casas de banho da escola!

Enfim, o costume! N�o h� s� cenas de m� educa�o nas escolas da Reboleira ou de Benfica, mas tamb�m nas escolas p�blicas que se gabam de ter os c�rebros do futuro! Muito c�ebro, nenhuma educa�o!

beijinhos ao Pedro e � Ana

ana v. disse...

Sofia, não imaginas como sabe bem ouvir (ler, no caso) alguém da tua idade dizer a essas coisas, com tanta lucidez. Esse costuma ser o discurso dos mais velhos, mas é muito bom saber que a mensagem vai passando para a geração seguinte. Nem tudo está perdido, portanto. Gosto de confirmar a possibilidade de alguma confiança no futuro, no meio do caoas a que assistimos.
Beijinhos

Anónimo disse...

"Nunca pelearás con una persona que lleve gafas o lentes", norma importante de la Escuela Franquista Española (tesoros franquistas)

miguel disse...

Ana: quanto à Sofia, subscrevo, com letras realçadas, tudo o que disseste dela. Tanto nível aos 22 anos, não se encontra por aí aos pontapés.

ana v. disse...

Pois não, Miguel. A Sofia é muito especial e eu orgulho-me de ser amiga dela.
Mas quero acreditar que não é a única a pensar assim...

ana v. disse...

Essa foi boa, Filomeno. Pena as normas franquistas não vigorarem nas escolas portuguesas, pelo menos safavam-se os professores que vêm mal...

Anónimo disse...

Educação e acompanhamento familiar, sem dúvida sim.
E sempre.
Sem eles nunca será possível a escola e os professores cumprirem a suas funções de ensino e boa formação académica dos cidadãos do futuro.

Mas pergunto: como será possível esperarmos que Pais em que ambos trabalham, são mal pagos, socialmente enjeitados, que chegam a casa arrasados, que passem aos seus descendentes tudo aquilo que eles não conhecem, nunca tiveram, não têm, nem têm horizonte de jamais vir a ter ?

Não começa, de facto, toda esta problemática bem 'mais atraz' ?

E agora ? Quem e como se educam os Pais (ricos ou pobres) para que estes eduquem os seus próprios filhos ?

É certo que a responsabilidade da escola é o ensino e a dos Pais a educação, mas como efectivar a simbiose destas duas vertentes ?

Como solucionar o problema, pois é disto que se trata ?

Francamente não tenho a resposta.

Manuel Teixeira
(Sem filhos)