Sempre inventei histórias para os meus filhos, quando eram pequenos. Deixava correr a imaginação e as personagens iam mudando, ao sabor das perguntas que eles me faziam e dos seus desejos. Muitas vezes eram eles mesmos quem sugeria aventuras e peripécias, consoante o interesse do momento ou alguma coisa que tinham visto ou ouvido. Com uma infância vivida no campo, o imaginário infantil dilata-se substancialmente e ganha cores, cheiros e formas impensáveis para uma criança da cidade. Talvez por isso eles respondessem tão bem ao estímulo da participação na composição da história, acrescentando sempre pormenores mais ricos e dando vida a personagens engraçadíssimas. Frequentemente, eram eles que construiam toda a trama, sem se aperceberem disso. Tenho as melhores recordações dessa época de partilha de sonhos e de loucuras imaginativas, em que me sentia muito próxima daquele universo mágico e me deixava conduzir, sem resistência, por entre seres fantásticos e mundos delirantes. Era com estes pensamentos que os meus filhos adormeciam, e muitas vezes também eu. Além das histórias, cantava-lhes canções de embalar com letras inventadas por mim, muitas vezes na hora, sobre músicas conhecidas. A única que sobreviveu ao tempo e às sucessivas mudanças de casa, escrita num papel amarrotado, foi uma letra que fiz para o meu filho mais velho. Lembro-me muito bem dessa noite de Verão em que a cantei pela primeira vez, de uma lua cheia e magnífica que entrava pelo quarto e abria as portas a todos os sonhos. Aos meus e aos dele... Curiosamente, encontrei esse papelinho há uns anos. Sem fazer a menor ideia de qual era a música em que a encaixei nessa época (mais de vinte anos antes), gostei ainda do que tinha escrito e apeteceu-me que alguém a musicasse. Falei nisso à minha amiga Rita Vasconcellos, sabendo que ela se entusiasmaria com o projecto. A Rita é arquitecta de profissão, mas é também uma inspirada compositora, para além de outros múltiplos talentos. É, sobretudo, um espírito curioso e sensível, muito próximo ainda da inocência das crianças, como acho que todos gostaríamos de ser. Como eu calculava, achou graça ao desafio. Pedi-lhe que fizesse uma coisa simples, já que era uma "Cantiguinha de embalar", título que dei, logo ali, à canção que surgiria da nossa parceria. Sentou-se ao piano e começou a alinhavar uma melodia suave e delicada, como aquelas das caixinhas de música. Era exactamente isso que eu tinha imaginado para aquela letra. Deixei-a, nessa noite, enredada na sua criação, sabendo de antemão que iria gostar do resultado. Poucos dias depois, ligou-me. "Está pronta, vem ouvir." Lá fui, comovida e curiosa. E amei desde logo o casamento entre as minhas palavras simples e a música da Rita, que tão bem as tinha apreendido. Por sugestão de amigos, concorremos com esta canção ao Festival da Canção da RTP (há 3 anos). Para isso, demos-lhe o título de Branca Lua e gravou-se uma maqueta em estúdio, com a própria Rita ao piano e a bela voz da Mafalda Sachetti "emprestada" para o efeito. Não ganhou, claro, nem nós esperávamos que isso acontecesse. É uma música/letra que está muito longe do perfil das canções que habitualmente ganham festivais. Mas todo este processo nos deu um enorme gozo e nos aproximou como amigas. Depois disso, decidimos fazer outras parcerias musicais. Estão em fase de acabamento várias canções, e algumas delas farão parte de um interessante projecto musical em que a Rita está agora a trabalhar (não posso adiantar mais sobre o assunto porque ainda está no segredo dos deuses, mas acredito que vai ser um êxito). Aqui fica a Branca Lua, em maqueta, porque ainda não encontrou uma voz que lhe desse vida definitivamente. Gostaríamos muito que isso acontecesse, um dia.
BRANCA LUA
Branca lua traz um sonho risonho ao meu filho adormecido Deixa-o partir num veleiro ligeiro pelo azul desconhecido Deixa-o tocar as estrelas prendê-las entre os dedos pequeninos como se fossem brinquedos segredos que só sabem os meninos
Dá-lhe asas ao pensamento fermento duma vida por escrever que enquanto tudo se espera quimera tudo pode acontecer Ó Lua, quando ele partir a sorrir no seu corcel de magia pede ao sol que se detenha e não venha trazer cedo a luz do dia
A letra é perfeita. E a música assenta-lhe bem. Vou experimentar canta-la para a minha filha mais pequena. Só tenho um problema, é que apesar de ter cantado num coro, durante anos sem fim, não consigo decorar uma letra por inteiro. Mas vou tentar. Esta merece. Um beijinho
Querida mãe AV, receba um beijo comovido de uma mãe que se deliciou com o poema e com a melodia.
(ao lê-la recordei-me de uma outra linda melodia - "Ser de Sagitário", da Adriana Calcanhoto -, que me acompanha desde a gestação da minha mais pequenina e que lhe costumo cantar. Gosto particularmente deste pedacito: «Meu coração aguarda e acompanha seu itinerário.» Outro beijo. :-)
Agradeço a todos, mas isto é mesmo só uma cantiguinha de embalar (de ninar, para os meus amigos do Brasil). Por isso, JG, o maior elogio foi o teu. Fez-te sono? Era isso mesmo que se pretendia! Beijos
Está na hora da minha sesta... e olha que acho que vou pôr esta a tocar, para poder adormecer melhor, que não tenho aqui as 'nossas' caixinhas de música, nem a minha voz de embalo. Já me tinhas mostrado e adoro, o poema e a música! Parece que em tua casa há sempre músicas de embalar, nem que seja a do Vitinho... Mas olha que me comoveste mais desta vez, sabes o porquê, não sabes?
Podias mandar-me por e-mail para eu pôr no meu mp3 e ouvir mais vezes antes de irmos dormir?
Para a autobiografia A MINHA VIDA de Lou Andreas-Salomé, a mulher que teve o amor de Rilke e de Nietzsche, e que conviveu intimamente com Freud, Gillot, Rée, e muitos outros homens célebres da sua época. Um relato interessantíssimo, na primeira pessoa, de uma mulher excepcional. Para um dos meus filmes preferidos de sempre - QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF?, de Mike Nichols - que revejo sempre com o mesmo prazer. É superior o texto de Edward Albee, são-no também as interpretações, de um casal "ao rubro", de Liz Taylor e Richard Burton. O filme, não por acaso, conseguiu um feito único na história do cinema: foi nomeado para todas as categorias dos Oscares, em 1966. Para o filme AS HORAS, que vai fundo na análise da infelicidade extrema dos inadaptados sociais, tendo como novidade o prisma de uma outra infelicidade: a das pessoas ditas "normais" que os amam e rodeiam, sofrendo tanto ou mais do que eles e não tendo, sequer, o bálsamo da loucura ou da genialidade. Interpretações inesquecíveis de Nicole Kidman, Julianne Moore e Meryl Streep. Para o filme DIÁRIO DE UM ESCÂNDALO, em que Judi Dench e Cate Blanchett nos guiam maravilhosamente, num brilhante argumento, pelos meandros da manipulação e da perversão femininas. Não percebo como não levou quase todos os Oscares do ano. Para o filme INFAMOUS, de Douglas McGrath, em tudo superior ao mediático e oscarizado "CAPOTE" (que aborda o mesmo tema). Um lote de actores de primeira água numa produção de baixo orçamento, a provar que os filmes fora do mainstream estão cada vez mais na moda, nos States. Para o filme HABLE CON ELLA, de Pedro Almodôvar, que consegue a proeza de transformar em pura poesia um dos mais abjectos crimes imagináveis - a violação - cometido, ainda por cima, sobre uma mulher completamente indefesa. Um filme que fala de um amor incondicional, desesperado, comovente. De um amor que, no seu profundo desajuste, nos faz questionar tudo e redime aos nossos olhos toda a Humanidade.
15 comments:
A letra é perfeita. E a música assenta-lhe bem.
Vou experimentar canta-la para a minha filha mais pequena.
Só tenho um problema, é que apesar de ter cantado num coro, durante anos sem fim, não consigo decorar uma letra por inteiro.
Mas vou tentar. Esta merece.
Um beijinho
Sum,
cante sim. Mesmo que se engasgue na letra, acho que ela não se vai importar.
Beijinho
és gira tu, Ana. e cheia de talentos!
bjs!
Querida mãe AV,
receba um beijo comovido de uma mãe que se deliciou com o poema e com a melodia.
(ao lê-la recordei-me de uma outra linda melodia - "Ser de Sagitário", da Adriana Calcanhoto -, que me acompanha desde a gestação da minha mais pequenina e que lhe costumo cantar. Gosto particularmente deste pedacito:
«Meu coração
aguarda e acompanha
seu itinerário.»
Outro beijo.
:-)
Querida Ana,
que sortudos, os Seus Filhos! A letra é quase um invocação sacra das forças do Sonho e da maleabilidade das formas.
Beijo extasiado
A estas horas tardias, como diria a nossa amiga IMF, esta quase canção de ninar deu-me vontade de ir fazer companhia ao João Pestana.
Estou a brincar:)))
Muito bela a canção.
E fico a torcer para que os deuses cheguem a um acordo, que façam a obra e a revelem quanto antes.
Beijos
Olha que cantiga gira!...
Abreijo
Agradeço a todos, mas isto é mesmo só uma cantiguinha de embalar (de ninar, para os meus amigos do Brasil). Por isso, JG, o maior elogio foi o teu. Fez-te sono? Era isso mesmo que se pretendia!
Beijos
Adorei!
Beijos e parabéns às autoras e à cantora.
Beijos
delicioso :)
Está na hora da minha sesta... e olha que acho que vou pôr esta a tocar, para poder adormecer melhor, que não tenho aqui as 'nossas' caixinhas de música, nem a minha voz de embalo. Já me tinhas mostrado e adoro, o poema e a música! Parece que em tua casa há sempre músicas de embalar, nem que seja a do Vitinho... Mas olha que me comoveste mais desta vez, sabes o porquê, não sabes?
Podias mandar-me por e-mail para eu pôr no meu mp3 e ouvir mais vezes antes de irmos dormir?
beijinhos miúda
Já mandei, miúda.
Bjs
Ai que amor!
Mas que bem, vizinha! Estou impressionado.
Muito bem!
Pedro Correia
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