quarta-feira, 5 de março de 2008

A cor das palavras

«Mínimo

Você acena para mim do alto de sua torre e em meu corpo se instala um sentimento sinuoso que se espalha e me entorpece. Fico ali, sob o sol amornado pelo vento que farfalha nas folhas secas dos velhos oitis, acenando de volta, discreto e comovido como se me despedisse de alguém prestes a partir num improvável zepelim. Falamos pelo celular, mas os celulares de modo algum substituem a telepatia. Talvez os gestos, que na distância mais adivinhamos do que vemos, sejam o que restou dessa forma esquecida de intimidade. As palavras, tão triviais, vão com o vento, mas o que importa é a indisfarçavel emoção que as colore. As minhas são azuis. Quisera poder pintá-las de laranja, mas lido tão mal com essas tintas que é melhor nem tentar. Azuis... E meus dedos dedilham no ar mais um aceno como se estupidamente quisessem tocar no vento uma melodia doce e triste como eu parado ali, sem querer ir embora, sem saber ficar.

Sim, se fosse tudo isso um sonho, seria um zepelim e não o prédio a abrigar sua varanda no último andar. E eu ficaria ali, no cais imaginário onde ancorei talvez para sempre minha alma, a acenar as infinitas despedidas a que me sinto condenado. Feliz por você, porque serão sempre mais felizes os que partem - e essa é a felicidade dos que ficam, saber que são mais felizes os que partem. Aceno para você e ficaria ali acenando até você sumir no horizonte, diminuindo lentamente até ser engolida pelo céu e restar em mim como algo tão incerto como um sonho. E ainda assim ficaria ali depois, imóvel cais que sou, à espera e hesitante.

Mas, as palavras, sempre elas, me despertam de volta para a vida, incessante e breve: há que seguir em frente rumo a desimportância inadiável das tarefas que me aguardam. "Que nos aguardam", eu gostaria de dizer, mas como posso falar por você? E alguma vez terei podido? Aceno de novo, timidamente, como quem tenta agarrar-se ao vento e deixo-me ir, levado pelas minhas próprias pernas.
Você entrará de volta para a aconchegante penumbra de sua casa e eu retomarei meu passo apressado avenida adentro. E o quadro (você no alto, magnífica, e eu, lá embaixo, tão pequeno, tão minínimo) se desfará no ar como um zepelim tragado pelo céu. Circulos, perfeitas espirais, vida que segue... E esta crônica, devo confessar, é só a tentativa ingênua e torpe de comover você e parar o vento.»

Nota: Isto escreveu o Antônio, no seu fantástico Café Impresso. Gostava de ter sido eu a escrever estas palavras azuis, porque me tocaram fundo. Porque senti, como minhas, todas e cada uma delas.

7 comments:

AC disse...

Ai, quase tive um troço! Vim aqui visitar vc e dei de cara comigo mesmo tão belamente editado, como direito a zepelim e tudo... O que dizer? Um silêncio comovido diz melhor que mil palavras. Beijos

ana v. disse...

Comovida fiquei eu com as suas palavras azuis, Antônio. Gosto sempre do que você escreve. Já agora, qual é a cor do silêncio?
Um beijo atlântico

AC disse...

A cor do silêncio é um belo título, não? E que cor teria o silêncio? Não sei... Há tantos silêncios. Acho que o silêncio pode ser de muitas cores, como as palavras. Podemos ficar brincando disso, de desvendar silêncios, cores e palavras - que se combinam ou se separam segundo as circunstâncias e a nossa vontade caprichosa.

O Réprobo disse...

Querida Ana e Caro António,
não se cantava "partir é morrer um pouco"?
Se não fosse perturbar a beleza poética do trecho, poderíamos brincar, dizendo que o Azul estava mesmo adequado, quando alguém azulava...
Mas, fora de brincadeira, a sugestão das imensidões do Céu e do Mar não só incutem um influxo de nospalgia, como aludem à natureza torrencial em que a oralidade pode cair, nesses momentos de emoção, tentando expressar mais com o coração do que com a cabeça.
Porém, sobre cores tenciono falar amanhã.
Ah! e semnpre vi o silêncio Castanho, ou Marron, como queiram.
Beijinho e abraço

ana v. disse...

Tem graça: para mim o silêncio é negro (quando não desejado) ou branco, quando é tudo o que eu quero. Castanho... talvez, também, para a primeira hipótese.

AC disse...

O engraçado é q hj acordei pensando que isso das cores das palavras tem tudo a ver com o sentido que lhes damos no uso singular q fazemos delas a cada frase. Porque a cor é a entonação e é a entonação que dá o sentido singular/ final de uma palavra. Toda emoção está no tom, o acento que conferimos ao texto. A palavra "intencionalidade" tem um uso muito técnico, específico, mas podemos ampliar agora seu significado para abarcar o sentido singular que as palavras combinadas e flexionadas podem adquirir. Expressão e comunicação parecem sinônimos mas são, aqui ao menos, um binômio: sem a primeira, não haverá a segunda.
Lembro das leituras de Wittgenstein: não há linguagem privada. Aqui, poderíamos dizer que há, mas ela é inexpressiva, sem tonalidades. O mesmo W. irá se interessar pelas cores, acho porque cores são tautologias: como definir o branco, o azul, o vermelho? Acordei e diquei pensando essas coisas na cama; levanto e dou de cara com o comentário seu... Não reisti! Beijoca

ana v. disse...

Acho que é isso mesmo, Antônio: a cor que atribuimos às palavras tem a ver com o peso específico que elas têm para nós em cada momento. Tudo é mutável, o que transforma textos em arco-íris, vistos através de um caleidoscópio.
Beijo