sábado, 17 de novembro de 2007

Dia de...


Lá se passou mais um dia de...
Parece que hoje foi o do não-fumador. Eu já deixei de fumar há 8 anos, mas jurei a mim própria que não me tornaria num desses fundamentalistas insuportáveis prontos a matar, a rajadas de metralhadora, se puderem, quem ainda não se libertou do vício.
Claro que os ambientes despoluídos são mais saudáveis, claro que fumar não é bom para ninguém, claro que os fumadores passivos são injustiçados. Mas não consigo deixar de ver, em alguns desses irredutíveis ex-fumadores, a frustração de ter perdido um prazer e, até, uma certa inveja dos que consideram suicidas e inconscientes. Pior ainda: uma certa pose farisaica, de quem se acha superior por ter substituído o vidro dos seus telhados por uma resistente chapa de zinco, e está pronto a atirar pedras aos cristais alheios, por se saber a salvo de represálias.
Enfim, não defendo o tabaco. Sei que é francamente prejudicial à saúde, que pode matar a longo (e às vezes a curtíssimo) prazo. Mas reconheço aos outros o direito a um vício que - ainda me lembro muito bem - dá um enorme prazer. Se querem viver ou matar-se assim, quem sou eu para dizer-lhes que não o podem fazer? Sejamos justos: o tabaco não é um serial killer solitário, na cruzada contra os humanos: o stress, a solidão, a falta de dinheiro, o excesso de trabalho, a poluição e, sobretudo, a ausência de perspectivas de um futuro mais risonho, formam um gang letal. E estamos (quase) todos nas mãos deles.
Por isso, em mais um estúpido "dia de" que alguém inventou, só tenho a dizer: parabéns aos que não fumam, nunca fumaram ou já deixaram de fumar, e... boas baforadas aos restantes, e que dêm uma ou duas por mim. E remato com uma sábia frase de Agustina Bessa Luis, que diz quase tudo:

Não há império maior do que o que se tem sobre os vícios dos outros.

(ABL, in Prazer e Glória)

14 comments:

Anónimo disse...

Excelente post Ana.
Deixei de fumar há apenas 10 meses e lembro-me muito bem de um vício que me acompanhou durante 26 anos e me deu tanto prazer. Também jurei que nunca seria fundamentalista e defendo o direito a uma sala de fumo para os meus colegas fumadores.
Gostei bastante do remate final com a frase da Agustina.

PS Desculpe a ousadia.

ana v. disse...

Ma,
seja bem vinda e obrigada por comentar (ousadia? que ideia!). Às vezes exagero neste tema, mas os fumadores são de tal maneira discriminados hoje em dia, sobretudo por ex fumadores, que me irrita o moralismo. Deve ser a minha pecha por causas perdidas.

Anónimo disse...

Uma das boas entradas que me foi dado ler neste espaço. Não sou apreciador da Agustina - não sou conhecedor para ser franco e justo - mas esta frase é grande. A sua escolha, essa, ainda maior.

ana v. disse...

Bom regresso, Margarida! Gosto muito de tê-la por cá. Não sei se é ou não fumadora, mas obrigada.
Bjs

miguel disse...

É uma frase muito certeira, essa da Agustina. Sou fumador, e acho que sei bem do que ela fala. Outros viciados de outras adições saberão do que Agustina fala quando comigo se cruzam. Enfim...somos todos uns para os os outros.
Há um longo caminho a percorrer na percepção do livre arbítrio.

sem-se-ver disse...

optimo post.

fumo que nem uma 'cavala' e cumprimento com toda a sinceridade todos os que conseguiram deixar de fumar sem engordar e/ou morrer de ataque cardiaco a seguir.

mais cumprimento quem nunca fumou.

a todos, ex-fumadores e nunca-fumadores, desejo que, tal como a ana, me deixem em paz.

(a agustina é a nossa nobel. saramago foi um equivoco da academia)

ana v. disse...

SSV,
Tudo certo, menos o nobel. Para mim é a Sophia, até porque gostava que o nobel português fosse para a poesia.

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

estou de acordo quanto ao Nobel. Sophia foi injustiçada...

Av, sem palavras, com este post! Vou enviar um link para ele.

beijo

ana v. disse...

Obrigada, Júlia.
um beijinho

sem-se-ver disse...

não está sozinha quanto a essa pretensão sobre a sophia. mas entre uma e outra, agustina. e ela ainda pode/ria. sophia, infelizmente, já faleceu...

ana v. disse...

Sei que não estou, SSV. E tem razão quanto ao facto de a Agustina ainda poder lá chegar. Quem sabe?

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

também não acredito que a Agustina haja tempo par a Agustina...ela está muito doente, segundo sei...

Zé Ruela disse...

Cara av,
Segui o teu link desde a página do Pedro Rolo Duarte, algo intrigado e impressionado por saber que, decorridos oito anos sem fumar, o tabaco continua tão presente na tua vida. Estou prestes a completar 10 meses de abstinência depois te ter passado demasiados anos a fumar demasiados cigarros por dia. Imaginava que, no teu caso, tanto tempo decorrido, a ligação ao vício não fosse mais que uma ténue lembrança mas, afinal, transparece do teu texto que a ligação ao tabaco é um amor/ódio para toda a vida. Parabéns pela tua decisão e coragem para a manteres ao longo do tempo.

ana v. disse...

Olá, Xaringador
Bem vindo. Deixar de fumar não é fácil, mas garanto que vale a pena. A relação com o tabaco é isso mesmo: uma relação de amor-ódio, que há que gerir bem. Se não o fizermos, acaba por transformar-se num pesadelo com muito mais amor do que ódio. Mas cada um tem o seu turning point, diferente em cada caso. E há quem não queira nunca tê-lo, que é um direito que lhe assiste.