sábado, 22 de dezembro de 2007

Calma

A calma é daquelas coisas que só a vida e o tempo nos ensinam. E, mesmo assim, podemos viver uma vida inteira sem aprendê-la: não adianta lê-la nos olhos dos outros, ouvi-la da boca dos outros, percebê-la nos gestos e atitudes dos outros. A calma é muito mais fácil de aconselhar do que de praticar, mesmo para quem já passou por muitas tempestades e lhes sobreviveu.
E no entanto é um conceito linear, talvez o mais simples dos segredos: saber esperar. Esperar o tempo exacto para colher os frutos no momento certo, ganhando o prémio de não saboreá-los verdes e, por isso mesmo, ainda insípidos; respirar fundo e deixar passar a onda, para poder vir à superfície em seguida, não só ainda vivo como capaz de mais umas braçadas até à praia; deixar que alguma distância se interponha entre nós e a nossa voracidade espontânea, para que aquilo que queremos muito nos seja dado com prazer e não entregue por assalto à mão armada. Porque tudo o que se conquista lentamente tem o dobro do sabor e da duração.
A calma é um bem precioso, mas escasso. Nele radicam, tão só, a justiça e a sabedoria. E ao contrário da fama que tem, completamente errada, a calma não impede ninguém de viver plenamente e com emoção. Muito pelo contrário, aliás. Difícil, mesmo, é entendermos isto. Somos viciados em emoções fortes, em adrenalinas fáceis e momentâneas. Temos pressa, e por isso atropelamos sensações e queimamos etapas, tudo para chegar mais cedo. E com isso perdemos, quase sempre, o prazer indizível da viagem.



(Tocando em frente - Maria Bethânia)

Nota: esta canção de Almir Sater (a prova de que até dos "pirosos" podem sair criações magníficas), muito valorizada também pela voz inconfundível de Maria Bethânia, diz-nos tudo o que é preciso saber:

Ando devagar porque já tive pressa, e levo esse sorriso porque já chorei demais. Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe, só levo a certeza de que muito pouco eu sei, eu nada sei...
Penso que cumprir a vida seja simplesmente compreender a marcha e ir tocando em frente. Como um velho boiadeiro levando a boiada, eu vou tocando os dias pela longa estrada, eu vou, estrada eu sou...
Todo mundo ama um dia, todo mundo chora, um dia a gente chega, no outro vai embora. Cada um de nós compõe a sua história, e cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz.
Conhecer as manhas e as manhãs, o sabor das massas e das maçãs...
É preciso amor para poder pulsar, é preciso paz para poder sorrir, é preciso chuva para florir."

9 comments:

Anónimo disse...

Muito difícil, sim Ana, apesar de sempre ter tentado nunca saltar etapas, de vez em quando....


Um Bom Natal, na Casa de Família.


Beijinho

miguel disse...

Fantástica entrada, Ana. E venham mais piroseiras destas porque são bem vindas!

ana v. disse...

Obrigada a ambos e Bom Natal, cheio de calma no sapatinho...

Anónimo disse...

LOL... adorei esta!!! Era para mim ou hoje deu-te para pensares na calma? Veio mesmo a calhar e vou ver se a tenho... Devagar mas com confiança...
Adoro Bethânia!

Um beijinho miúda

ana v. disse...

Não, esta era mesmo para mim.
Pode ser que de tanto repetir a teoria eu consiga passar à prática...
Também amo a Bethânia.

Bill Falcão disse...

Excelente definição, Ana! Tomei a liberdade de copiar e levar para a minha redação, para reler sempre, pois temos memória fraca, não é?
Beijo!

ana v. disse...

Faça isso, Bill. E aqui tem uma sertaneja, daquelas que você gosta! (desta, até a Bethânia, não é?)
Já lá fui espreitar o seu Jornal da Lua, é bem divertido.
Bom Natal para vc.

Dona Betã disse...

Levei a calma comigo. Só não levei a música. Vou mandar o meu pessoal para que ouçam a Bethânia. Obrigado.

el.sa disse...

Ana,
Encontrei a tua calma no Zoo, deixei lá um comentário, mas não podia deixar de te congratular "pessoalmente" pela excelente e calma reflexão!

Excelente!

Beijinhos serenos***