Alice Ruiz: querida amiga, poeta, letrista e mestra de hai-kai, essa subtilíssima arte da palavra fotográfica. Chamo-lhe assim porque um hai-kai é o registo de um momento, imobilizado e fixado para sempre, como numa fotografia (não sei se a definição será muito ortodoxa, mas é assim que eu vejo esta forma de poesia).
O disco Paralelas é o belo resultado de uma parceria bem sucedida: Alice e Alzira Espíndola, letra e música, respectivamente. Além das vozes de ambas (falada a primeira, cantada a segunda), também as de Zelia Duncan e Arnaldo Antunes, a fazer deste trabalho um registo memorável.
Aqui ficam alguns exemplos do talento de Alice (escolhi-os do livro Desorientais, uma recolha exaustiva dos hai-kais da poeta) :
lembra aquele beijo
corpo alma e mente?
pois eu esqueci completamente * dançamos em pensamento
a dança dos anos
que nos devemos *
roubaram a casa
as moscas ficaram
às moscas *
o menino me ensina
como um velho sábio
o quanto sou menina
* à beira do insuportável
* à beira do insuportável
essa qualidade rara
ser insubordinável (Alice Ruiz, in Desorientais)
(Alzira Espíndola e Zelia Duncan, cantando uma letra de Alice - É só começar - do Paralelas)
É só começar ninguém precisa
ter talento
p'ra transformar
caso em descaso
já o contrário
é que é o caso se você não tem, lamento
é preciso ser forte
é preciso ser fraco
é preciso ganhar
e perder o juízo sai dessa pose
pára de pensar no prejuízo
e segue em frente
tem hora p'ra chegar
tem hora p'ra se afastar
não sabe como?
é só começar
ter talento
p'ra transformar
caso em descaso
já o contrário
é que é o caso se você não tem, lamento
é preciso ser forte
é preciso ser fraco
é preciso ganhar
e perder o juízo sai dessa pose
pára de pensar no prejuízo
e segue em frente
tem hora p'ra chegar
tem hora p'ra se afastar
não sabe como?
é só começar
9 comments:
Coincidência bonita a de ler estes belos haicais numa semana em que andei a interessar-me por este género. Coincidência feliz logo aproveitada para uma autopropaganda escandalosa: quem quiser que vá ler dois haicais meus.
Enganas-te, não foi coincidência. Foram os teus (e foi porque gostei muito deles) que me lembraram a Alice, que é mestra nesta arte cirúrgica de poesia.
Fica dito, e feita a minha propaganda também aos teus.
Beijinhos
Boa Tarde Ana
não conheço Alice Ruiz, e já percebi o enorme erro.
mas quanto à ortografia da palavra poderiam pôr-se de acordo?
:)
Beijinho
Não é preciso, Marta, acho que se pode usar várias grafias "a la carte". Afinal de contas, a palavra original deve ser japonesa, suponho. Quem sabe qual a grafia mais adequada?
Bjs
Acho que aparece mais vezes haikai, mas também já vi haiku e passei a escrever haicai por causa de um blogue que me explicou o que eram esses seres estranhos e condensados. Aqui há uns anos escrevi um que não respeitava bem as regras... chamei-lhe "hai-kê?".
Gostei da tua genial descrição de haikai.
não aprecio os haikais Ocidentais. Não tem nada a ver..O verdadeiro Haikai, não regista só o momento, deixa qualquer coisa no ar ...na acaba ali, continua na mente do leitor...
Gosto no entanto de poemas minimos edeveria ser assim que eles deveriam chamar-se, apesar damétrica obdecer às regras do Haikai ou Haiku.
Mas os que gostei mais até hoje foram os de Anibal Beça, poeta brasileiro.
Conheço o Aníbal Beça, e acho-o muito bom. Participou na antologia que eu organizei e falámo-nos 2 ou 3 vezes por causa disso. É um poeta da Amazónia, inspiração não lhe falta por lá!
também conheço virtualmente há anos. Ainda ajudei nas traduções dos seus haikais para o francês. Aliás teve a amabilidade de me enviar os livros dele e um CD.
beijinho
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