Eu já suspeitava.
Não queria dar muita confiança a esse pensamento recorrente, mas a verdade é que já suspeitava: há um Olé! no meio dos meus genes, colado aos outros que nem uma lapa, e não posso fazer nada para pô-lo a andar.
Não queria dar muita confiança a esse pensamento recorrente, mas a verdade é que já suspeitava: há um Olé! no meio dos meus genes, colado aos outros que nem uma lapa, e não posso fazer nada para pô-lo a andar.
Comprovei-o sem enganos possíveis, no domingo passado, e ainda estou em choque. Foram precisos vários dias (hoje já é 5a feira) para digerir a descoberta e ser capaz de verbalizar esta confissão. Como aconteceu? Eu conto. No domingo passado fui "aos toiros". E gostei. Muito. E também fiquei a conhecer-me melhor.
Pronto, está dito e assumido. Vá lá, blogueiros civilizados e sofisticados, politicamente correctos, defensores dos animais, intelectuais, zen, vegetarianos e macrobióticos, gays e outros mais que agora não me lembro, aproveitem bem esta borla que vos dou: crucifiquem-me, que eu já confessei tudo. Se quiserem açoitar-me e lançar-me à fogueira, estejam à vontade. Mas não sem primeiro me darem o direito a meia dúzia de últimas palavras.
Há muitos anos que não punha os pés numa corrida de toiros e fui acumulando, com o tempo, um misto de saudade, desinteresse e expectativa, sem saber que sensações me esperariam de novo, se um dia voltasse a assistir a uma. Será que ainda vibraria com aquilo? Ou será que a minha condição de cabeça pensante, razoavelmente esclarecida e já urbana, me teria afastado irremediavelmente da barbárie? Foi nesse estado de espírito, inquieto e curioso, que resolvi aceitar o simpático convite de uns amigos. O desafio era total, porque nos acompanhavam duas ferozes opositoras daquele espectáculo: uma já veterana, com experiência no assunto e opinião bem calcificada, e a outra em absoluta estreia, mas firmemente decidida a odiar tudo aquilo.
Mas, dizia eu, o que mais me atraiu lá foi saber o que se passaria comigo. Pois bem, agora já sei. Mal pus um pé na praça - não na arena, que ainda não enlouqueci de todo - deu-se uma estranha transfiguração em mim: o coração começou a bater mais depressa, um rubor de antecipado prazer devolveu-me as cores saudáveis da infância e uma espécie de beatífica reverência deixou-me em estado de graça, tomando-me de assalto todas as emoções. Ali estava eu, cinco sentidos alerta e prontos a vibrar ao mínimo estímulo. Neurónios? Nem um só de sentinela. Todos de férias, a banhos. Código moral? O que é isso, nome de sobremesa? Logo ao primeiro impacto me deixei embriagar pelas cores, pelos cheiros, pelo sons. Foi como se uma maléfica Mrs. Hyde, acordada de repente, tivesse dobrado em quatro e guardado no bolso, com um sorriso de triunfo, a respeitável Dra. Jekyll que costuma estar de serviço em mim. Ali, Mrs. Hyde estava em casa. E eu em transe.
Para dizer a verdade, a corrida nem sequer foi nada de especial. Foi "à portuguesa", ou seja, sem toureio a pé. Houve tareia séria nos forcados, os toiros foram vaiados porque eram mansos e completamente indiferentes aos pobres cavaleiros, que faziam tudo o que podiam para não sairem dali vergonhosamente derrotados. Reparei que nada mudou muito desde a longínqua última vez que tinha assistido a uma corrida de toiros. Talvez só o público tenha refinado um pouco: que não se pense que é só constituido por marialvas acéfalos. Nada disso. Lá estavam, felizes e entusiasmados como qualquer outro aficionado, respeitáveis políticos de esquerda e de direita, alguns intelectuais bem conhecidos da nossa praça, artistas e até homens da ciência, para além, claro, dos omnipresentes colunáveis da praxe.
Nada disso me interessou muito: eu estava concentrada no meu próprio sótão interior, descobrindo velhas chaves de gavetas secretas que julgava perdidas para sempre. Mas não, ali estavam elas. Enferrujadas, poeirentas, mas ainda a funcionar. Experimentava-me, punha-me à prova no meu mais íntimo laboratório, testando fórmulas antigas em pipetas fumegantes e aguardando ansiosamente os resultados. Nesse estado letárgico de semi-lucidez dei comigo a corrigir, com uma certa arrogância snobe, os comentários leigos dos urbanos que me acompanhavam: não se diz "tourada", diz-se "corrida de toiros". E aquilo não é uma capa, é um capote. Aqueles que entraram agora não são toiros, são cabrestos. Não, nenhum toiro vai para dentro sem ser pegado pelos forcados. Se a pega não puder ser de caras, será de cernelha. Se ganham muito? Não, nem um tostão. São amadores, arriscam a vida por um jantar e uma boa dose de adrenalina. O forcado não está a fazer ski, está a rabejar! Raspar no chão e berrar não são sinais de bravura num toiro, mas sim de mansidão. E entredentes, resmungava: Ignorantes!...
Não vou defender - não caio nessa! - o espectáculo a que assisti com um prazer confesso. Não é possível justificá-lo racionalmente, porque é indefensável. É uma coisa de paixão, de emoção pura. Que apela ao que há de mais primitivo e pantanoso em nós, as entranhas onde escondemos todos os nossos instintos inconfessados. Os que caem na armadilha de justificar o fenómeno, com teses mais ou menos elaboradas, acabam desarmados e enredados na sua própria teia de argumentos condenados à nascença. Ouço-os dizer que é uma tradição e que as tradições constituem a identidade de um povo, e pergunto-me porque cuidamos tão mal de outros patrimónios bem mais edificantes, como o arquitectónico e o artístico, por exemplo. Ouço-os dizer que os toiros atraem turistas e os turistas aumentam as receitas do país, e pergunto-me se será para afugentá-los depois com o caos urbanístico das nossas costas. Ouço-os dizer, com um certo orgulho, que o toiro bravo seria já uma espécie extinta se não fosse a tauromaquia (porque só serve para esse efeito) e pergunto-me se vale a pena prolongar a vida de uma espécie apenas para esse fim perverso. Ouço-os dizer, genuinamente convictos, que a dignidade do toiro é respeitada ao ser-lhe dada a oportunidade de bater-se numa arena com o toureiro, e pergunto-me quem terá ensinado ao animal o conceito humano de dignidade, com a certeza de que este trocaria, de bom grado, o presente envenenado da dignidade por um punhado de erva fresca e uma manada de vacas para se entreter. Ouço-os dizer, ainda, que os toiros bravos não sentem a dor por causa da descarga de adrenalina, e pergunto-me muito seriamente que raio de desculpa é essa, e como se pode afirmar que um ferro aguçado a entrar num corpo vivo não causa dor. Ouço-os dizer, finalmente, que os espanhóis é que são cruéis porque matam o toiro na arena e nós não, e pergunto-me em que é que isso nos iliba da crueldade e que diferença fará ao bicho o sítio da matança, se é morto na mesma.
Diz-me o cérebro (sempre que está a funcionar), que de nada nos serviu a evolução da espécie humana se ainda nos deleitamos com espectáculos que evocam e recriam os mais bárbaros rituais dos nossos antepassados. Que uma coisa é matar para sobreviver - todos os animais o fazem, afinal - e outra, bem diferente, é torturar e matar por puro gáudio. Nesse capítulo, é sabido, somos mais irracionais do que todos os outros irracionais juntos. E o que nos diz esse facto incontestável? Uma coisa muito simples, que não nos agrada nada constatar: apesar de milénios de formatação civilizacional, existe em nós um primitivismo atávico e inultrapassável, ainda que amordaçado e obrigado a hibernar à força. E que convém não ignorá-lo, porque é perigoso e está apenas latente, não morto. Mal de quem não entende isso, e não está atento aos sinais. Os desprevenidos e os que recusam aceitar a sua condição de perigo potencial, acabam muitas vezes por transformar-se num perigo real, numa bomba relógio que explode sem pré-aviso. São aqueles casos que nos entram todos os dias pela casa dentro, nos jornais televisivos, e nos deixam a colher da sopa suspensa, a meio caminho da boca: estudantes enraivecidos que abatem os colegas estupefactos a rajadas de metralhadora, só porque a namorada os traíu; exemplares mangas-de-alpaca que viram assassinos de colegas de escritório, porque não foram promovidos; mães extremosas que atiram filhos pela janela, fartas da prisão que eles significam; inofensivos velhinhos de asilo que pegam fogo ao estaminé e assistem à cena a rir com gosto, deixando cair as dentaduras; caçadores de domingo que abatem um parceiro ao fim do dia, porque não chegaram a acordo na contagem das rolas.
Karl Marx insurgiu-se contra a religião, por esta ser o ópio do povo. Mas sabia bem que o povo precisa de um qualquer ópio para manter-se estável e razoavelmente dócil, suportando as rotinas e as muitas humilhações que lhe cabem sem mostrar os dentes da besta que tem lá dentro. O futebol cumpre essa mesma função cada vez mais, um pouco por todo o lado. Ali se descarregam muitos ódios e frustrações, que de outro modo poderiam ser fatalmente disparados em imprevisíveis direções. É só ver, nas multidões de adeptos, pacatos chefes de família prontos a matar pelo seu clube em qualquer discussão sem sentido.
Somos todos voyeurs (ninguém está imune), e nada nos satisfaz tanto como a desgraça ou o ridículo dos outros. Por alguma razão nos rimos, instintivamente, quando alguém cai e se magoa. Já pensaram nisso? E nas corridas de automóveis e motas, não estamos sempre à espera de um acidentezinho para "apimentar" a coisa? Que graça teriam os campeonatos de desportos aquáticos sem meia dúzia de quedas aparatosas? Como ignorar, honestamente, essa faceta sádica e perversa que há em todos nós? É assim que somos, queiramos ou não. Exterior sofisticado, interior mais do que duvidoso. E enquanto houver emoções em nós, enquanto houver zonas de penumbra, enquanto não formos todos robots, assim continuará a ser.
Em tudo isto pensei nestes dias, tentando encontrar uma explicação para o insustentável. Porque fui a uma corrida de toiros e fiquei a conhecer-me melhor, rendo-me à evidência: tenho um Olé! nos genes que vai morrer comigo. Preciso é de tomar conta dele, para que não se reproduza.
Nota:
Pronto, está dito e assumido. Vá lá, blogueiros civilizados e sofisticados, politicamente correctos, defensores dos animais, intelectuais, zen, vegetarianos e macrobióticos, gays e outros mais que agora não me lembro, aproveitem bem esta borla que vos dou: crucifiquem-me, que eu já confessei tudo. Se quiserem açoitar-me e lançar-me à fogueira, estejam à vontade. Mas não sem primeiro me darem o direito a meia dúzia de últimas palavras.
Há muitos anos que não punha os pés numa corrida de toiros e fui acumulando, com o tempo, um misto de saudade, desinteresse e expectativa, sem saber que sensações me esperariam de novo, se um dia voltasse a assistir a uma. Será que ainda vibraria com aquilo? Ou será que a minha condição de cabeça pensante, razoavelmente esclarecida e já urbana, me teria afastado irremediavelmente da barbárie? Foi nesse estado de espírito, inquieto e curioso, que resolvi aceitar o simpático convite de uns amigos. O desafio era total, porque nos acompanhavam duas ferozes opositoras daquele espectáculo: uma já veterana, com experiência no assunto e opinião bem calcificada, e a outra em absoluta estreia, mas firmemente decidida a odiar tudo aquilo.
Mas, dizia eu, o que mais me atraiu lá foi saber o que se passaria comigo. Pois bem, agora já sei. Mal pus um pé na praça - não na arena, que ainda não enlouqueci de todo - deu-se uma estranha transfiguração em mim: o coração começou a bater mais depressa, um rubor de antecipado prazer devolveu-me as cores saudáveis da infância e uma espécie de beatífica reverência deixou-me em estado de graça, tomando-me de assalto todas as emoções. Ali estava eu, cinco sentidos alerta e prontos a vibrar ao mínimo estímulo. Neurónios? Nem um só de sentinela. Todos de férias, a banhos. Código moral? O que é isso, nome de sobremesa? Logo ao primeiro impacto me deixei embriagar pelas cores, pelos cheiros, pelo sons. Foi como se uma maléfica Mrs. Hyde, acordada de repente, tivesse dobrado em quatro e guardado no bolso, com um sorriso de triunfo, a respeitável Dra. Jekyll que costuma estar de serviço em mim. Ali, Mrs. Hyde estava em casa. E eu em transe.
Para dizer a verdade, a corrida nem sequer foi nada de especial. Foi "à portuguesa", ou seja, sem toureio a pé. Houve tareia séria nos forcados, os toiros foram vaiados porque eram mansos e completamente indiferentes aos pobres cavaleiros, que faziam tudo o que podiam para não sairem dali vergonhosamente derrotados. Reparei que nada mudou muito desde a longínqua última vez que tinha assistido a uma corrida de toiros. Talvez só o público tenha refinado um pouco: que não se pense que é só constituido por marialvas acéfalos. Nada disso. Lá estavam, felizes e entusiasmados como qualquer outro aficionado, respeitáveis políticos de esquerda e de direita, alguns intelectuais bem conhecidos da nossa praça, artistas e até homens da ciência, para além, claro, dos omnipresentes colunáveis da praxe.
Nada disso me interessou muito: eu estava concentrada no meu próprio sótão interior, descobrindo velhas chaves de gavetas secretas que julgava perdidas para sempre. Mas não, ali estavam elas. Enferrujadas, poeirentas, mas ainda a funcionar. Experimentava-me, punha-me à prova no meu mais íntimo laboratório, testando fórmulas antigas em pipetas fumegantes e aguardando ansiosamente os resultados. Nesse estado letárgico de semi-lucidez dei comigo a corrigir, com uma certa arrogância snobe, os comentários leigos dos urbanos que me acompanhavam: não se diz "tourada", diz-se "corrida de toiros". E aquilo não é uma capa, é um capote. Aqueles que entraram agora não são toiros, são cabrestos. Não, nenhum toiro vai para dentro sem ser pegado pelos forcados. Se a pega não puder ser de caras, será de cernelha. Se ganham muito? Não, nem um tostão. São amadores, arriscam a vida por um jantar e uma boa dose de adrenalina. O forcado não está a fazer ski, está a rabejar! Raspar no chão e berrar não são sinais de bravura num toiro, mas sim de mansidão. E entredentes, resmungava: Ignorantes!...
Não vou defender - não caio nessa! - o espectáculo a que assisti com um prazer confesso. Não é possível justificá-lo racionalmente, porque é indefensável. É uma coisa de paixão, de emoção pura. Que apela ao que há de mais primitivo e pantanoso em nós, as entranhas onde escondemos todos os nossos instintos inconfessados. Os que caem na armadilha de justificar o fenómeno, com teses mais ou menos elaboradas, acabam desarmados e enredados na sua própria teia de argumentos condenados à nascença. Ouço-os dizer que é uma tradição e que as tradições constituem a identidade de um povo, e pergunto-me porque cuidamos tão mal de outros patrimónios bem mais edificantes, como o arquitectónico e o artístico, por exemplo. Ouço-os dizer que os toiros atraem turistas e os turistas aumentam as receitas do país, e pergunto-me se será para afugentá-los depois com o caos urbanístico das nossas costas. Ouço-os dizer, com um certo orgulho, que o toiro bravo seria já uma espécie extinta se não fosse a tauromaquia (porque só serve para esse efeito) e pergunto-me se vale a pena prolongar a vida de uma espécie apenas para esse fim perverso. Ouço-os dizer, genuinamente convictos, que a dignidade do toiro é respeitada ao ser-lhe dada a oportunidade de bater-se numa arena com o toureiro, e pergunto-me quem terá ensinado ao animal o conceito humano de dignidade, com a certeza de que este trocaria, de bom grado, o presente envenenado da dignidade por um punhado de erva fresca e uma manada de vacas para se entreter. Ouço-os dizer, ainda, que os toiros bravos não sentem a dor por causa da descarga de adrenalina, e pergunto-me muito seriamente que raio de desculpa é essa, e como se pode afirmar que um ferro aguçado a entrar num corpo vivo não causa dor. Ouço-os dizer, finalmente, que os espanhóis é que são cruéis porque matam o toiro na arena e nós não, e pergunto-me em que é que isso nos iliba da crueldade e que diferença fará ao bicho o sítio da matança, se é morto na mesma.
Diz-me o cérebro (sempre que está a funcionar), que de nada nos serviu a evolução da espécie humana se ainda nos deleitamos com espectáculos que evocam e recriam os mais bárbaros rituais dos nossos antepassados. Que uma coisa é matar para sobreviver - todos os animais o fazem, afinal - e outra, bem diferente, é torturar e matar por puro gáudio. Nesse capítulo, é sabido, somos mais irracionais do que todos os outros irracionais juntos. E o que nos diz esse facto incontestável? Uma coisa muito simples, que não nos agrada nada constatar: apesar de milénios de formatação civilizacional, existe em nós um primitivismo atávico e inultrapassável, ainda que amordaçado e obrigado a hibernar à força. E que convém não ignorá-lo, porque é perigoso e está apenas latente, não morto. Mal de quem não entende isso, e não está atento aos sinais. Os desprevenidos e os que recusam aceitar a sua condição de perigo potencial, acabam muitas vezes por transformar-se num perigo real, numa bomba relógio que explode sem pré-aviso. São aqueles casos que nos entram todos os dias pela casa dentro, nos jornais televisivos, e nos deixam a colher da sopa suspensa, a meio caminho da boca: estudantes enraivecidos que abatem os colegas estupefactos a rajadas de metralhadora, só porque a namorada os traíu; exemplares mangas-de-alpaca que viram assassinos de colegas de escritório, porque não foram promovidos; mães extremosas que atiram filhos pela janela, fartas da prisão que eles significam; inofensivos velhinhos de asilo que pegam fogo ao estaminé e assistem à cena a rir com gosto, deixando cair as dentaduras; caçadores de domingo que abatem um parceiro ao fim do dia, porque não chegaram a acordo na contagem das rolas.
Karl Marx insurgiu-se contra a religião, por esta ser o ópio do povo. Mas sabia bem que o povo precisa de um qualquer ópio para manter-se estável e razoavelmente dócil, suportando as rotinas e as muitas humilhações que lhe cabem sem mostrar os dentes da besta que tem lá dentro. O futebol cumpre essa mesma função cada vez mais, um pouco por todo o lado. Ali se descarregam muitos ódios e frustrações, que de outro modo poderiam ser fatalmente disparados em imprevisíveis direções. É só ver, nas multidões de adeptos, pacatos chefes de família prontos a matar pelo seu clube em qualquer discussão sem sentido.
Somos todos voyeurs (ninguém está imune), e nada nos satisfaz tanto como a desgraça ou o ridículo dos outros. Por alguma razão nos rimos, instintivamente, quando alguém cai e se magoa. Já pensaram nisso? E nas corridas de automóveis e motas, não estamos sempre à espera de um acidentezinho para "apimentar" a coisa? Que graça teriam os campeonatos de desportos aquáticos sem meia dúzia de quedas aparatosas? Como ignorar, honestamente, essa faceta sádica e perversa que há em todos nós? É assim que somos, queiramos ou não. Exterior sofisticado, interior mais do que duvidoso. E enquanto houver emoções em nós, enquanto houver zonas de penumbra, enquanto não formos todos robots, assim continuará a ser.
Em tudo isto pensei nestes dias, tentando encontrar uma explicação para o insustentável. Porque fui a uma corrida de toiros e fiquei a conhecer-me melhor, rendo-me à evidência: tenho um Olé! nos genes que vai morrer comigo. Preciso é de tomar conta dele, para que não se reproduza.
Nota:
Numa patética e ingénua tentativa de não chocar mais ainda os espíritos impressionáveis, escolhi arte para ilustrar este post (um desenho de Pablo Picasso), em vez das tradicionais fotografias dos cartazes das corridas de toiros. Não foi de propósito, mas parece que foi escolhido a dedo: Picasso era um pintor talentoso e sensível mas também um ser humano execrável, que torturava as mulheres e os amigos e ignorava os filhos. Apreciador de toiros, sim. Era, ele próprio, um bom exemplo dessa dualidade de que somos feitos, afinal.
4 comments:
Era o que faltava que não tivesse um ganda gene tauromáquico, depois da "sova" que o Pai nos deu durante anos! Eu, que, como sabes, sempre me borrifei para o politicamente correcto, digo: OOOOOOOOOOOOLÉ! a esse gene.
Boa, maninha. Não me deixas ficar mal.
Agora é que as manas estragaram tudo, com este declarado amor às touradas.
Mas como sei das vossas raízes ribatejanas, vou fingir de conta que compreendo.
Não me levem a mal.
É que,embora seja defensor dos animais e às vezes meio curioso em relação a comida vegetariana, não me considero um blogueiro civilizado ou sofisticado, politicamente correcto, defensores dos animais, intelectual, zen ou macrobiótico.
E gay muito menos, porque apesar de ser do signo Touro, a mim ninguém me rabeja!
Beijos.
Ana:
Assino em baixo. Andei anos enganada, a achar que tudo aquilo me fazia confusão. Até que há meia dúzia de anos um amigo me arrastou para uma tourada, à séria! Em Espanha, com o nosso Pedrito. Aqui me confesso: delirei!!!
Pronto, batam em mais uma.
JP,
As manas agradecem a compreensão, (só)um bocadinho paternalista. É um gene a mais que temos, como tentei explicar. Nada a fazer. Pelo menos está identificado e garante-nos algumas horas bem passadas. De sabor troglodita, é verdade, mas ninguém aqui disse que era perfeito.
Experimente um dia, quem sabe (nas festas caramelas há sempre uma tarde de toiros...) e talvez nos entenda. Veja a Flora (obrigada pelo apoio, Flora!!), que se estreou logo em Espanha, onde as coisas são menos brandas, e veio de lá convertida!
Já o "rabejamento" não lhe aconselho, se isso o incomoda tanto. Mas olhe que tem muitos adeptos, e é um público cada vez mais aficionado...
Bjs
Ana
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