As feridas de Frida Khalo foram muitas, e quase todas tiveram nome de mulher.
Diego Rivera, o homem a quem ela chamava carinhosamente de "panzón" por causa do volume da sua barriga, tinha, além disso, idade para ser seu pai e era "feo como un cerdo", nas palavras de uma amiga de Frida.
Pelo seu lado, Frida era uma mulher-menina, fisicamente frágil (quanto a força interior, a conversa é outra) e doente, um vidrinho colorido e exótico que Diego gostava de exibir.
Porém, nada disso impediu que se tivessem amado loucamente e que esse amor, aparentemente tão desequilibrado, se tenha já tornado lendário. É claro que, visto à distância e a frio, tudo parece mais romântico. A verdade é que Frida sofreu muito, também, por causa desse amor. E, se acabou por transformar-se numa excêntrica para a sociedade mexicana ao liberalizar, também ela, as suas relações amorosas, foi porque nunca conseguiu que Diego correspondesse ao modelo que ela queria para a sua vida afectiva. Foi ele o seu mentor no mundo da arte, mas foi também ele que moldou nela a provocação e a révanche, que a perverteu e obrigou a reagir assim, como uma fera ferida que mostra as garras para se defender e acaba atacando também.
Diego Rivera era um homem torturado e conflituoso, dado a excessos e, sobretudo, muitíssimo mulherengo. Como artista plástico era um ícone já na sua época, aclamado e respeitado internacionalmente, o que acrescentava uma aura de mito ao charme rude que o caracterizava. Essa combinação produzia um efeito mágico no universo feminino e anulava totalmente o seu desastrado aspecto exterior. Dizia-se dele, não com certeza sem um certo exagero, que era magnético. O rol de mulheres que lhe caíu aos pés - antes, durante e depois do casamento com Frida - foi quase infindável, e essa fama era um rastilho poderoso que incendiava as novas candidatas.
Para além das insuportáveis dores físicas que a fatalidade lhe causou* (provocando-lhe ainda a impossibilidade de ser mãe, como dano colateral), Ferida sofreu incontáveis humilhações com as infidelidades de Diego, as quais, aliás, culminaram na mais dolorosa de todas: um caso com a sua própria irmã, dentro de portas. Esse drama quase a levou ao suicídio, e fez com que cortasse o cabelo (uma das suas imagens de marca, em penteados elaborados), se desfizesse de todos os enfeites e até que se vestisse de homem, matando impiedosamente toda a sua feminilidade e exuberância transbordantes. Mas Frida era também uma artista: exorcizou todas as dores na pintura, deixando para a posteridade, nos seus quadros, um retrato arrepiante do seu sofrimento. E também da sua coragem. Aqui fica a minha homenagem a essa grande mulher, que morreu mais ou menos com a idade que eu tenho agora. Admiro, nela, a obra e a vida, ambas de uma originalidade espantosa. Aqui, também, alguns dos seus quadros, testemunhos bem mais elucidativos do que quaisquer palavras.
Acrescento, à minha, outra homenagem: a de Pedro Guerra (cantautor pouco conhecido aqui no burgo), que escreveu em honra de Frida Khalo a canção "El Elefante y la Paloma" - letra e música de sua autoria - cuja letra, baseada num texto da própria Frida, aqui transcrevo:
EL ELEFANTE Y LA PALOMA
A Frida le duelen los huesos y mirándose al espejo pinta todo su dolor A Frida le duele la vida y apriendendo de su herida llena todo de color
Diego mi Diego, Diego mi amor por qué pienso que eres mio si eres solo tuyo, Diego si eres solo tuyo, Diego...
Frida miró al Elefante y empezó a desdibujarse pero nada le importó Diego miró a la Paloma y la amó entre tantas cosas entre el lienzo y la pasión
Diego mi niño, Diego pintor por qué pienso que eres mio si eres solo tuyo, Diego si eres solo tuyo, Diego...
Frida descansa en el lecho y se pinta hasta en el pecho con tal de sobrevivir
Diego mi amigo, Diego = Yo por qué pienso que eres mio si eres solo tuyo, Diego si eres solo tuyo, Diego...
*Vítima de poliomielite infantil, aos 6 anos, ficou com a perna direita defeituosa, mais delgada e curta que a perna esquerda; aliás, essa perna acabaria por ser amputada. Aos 18 anos, foi vítima de um acidente brutal: o autocarro onde viajava foi abalroado por um eléctrico. Frida foi trespassada por um varão metálico, sofrendo danos irreversíveis na coluna vertebral. Em inúmeros dos seus quadros se podem ver os rígidos aparelhos ortopédicos que usou para sustentar a coluna partida, que eram autênticos instrumentos de tortura.
Adendas:1.Uma bela sugestão da Ana L. Costa, este video de Chavela Vargas, cantando Llorona, com imagens do filme Frida (com Salma Hayek):
2. E também uma entrevista com Lila Downs (cuja semelhança física com Frida é impressionante), que canta várias canções populares no filme. Entre elas, o picante tango que ajudou a torná-lo famoso.
Bela homenagem a uma grande mulher. Vi uma exposição das obras dela há poucos anos e senti-me esmagada pela crueza com que Frida grita, sem pudor, na tela o seu sofrimento. Costumo dizer que na arte, aquilo que realmente valorizo é a capacidade de um artista me emocionar. Independentemente de gostar ao não de um certo sentido estético, de gostar ou não de uma forma de fazer arte, se me toca na alma, se me suscita emoções boas ou más conquista-me o coração. A Frida conseguiu faze-lo como poucos.
A mim também, AQ. Acho-a uma mulher admirável: cheia de personalidade, de coragem, de amor e de dores inacreditáveis. E conseguiu transformar tudo isso em arte. Os quadros dela tiram-me o ar.
Já não meto cá o bedelho, nos próximos dias, mas tanto a Frida como a Chavela, mexem comigo. Sigo a Chevela, desde há milhares de litros de Gin, para cá.
Você teve artes de me deixar uma "sementezinha" de Pedro Guerra. Tal é a insistência. E a convicção. Tentei encontrar o que você não encontrou - apesar dos meus múltiplos afazeres, como calcula, e das bocas foleiras que me dirigiu - mas a desejada surpresa saiu frustrada. Em contrapartida, tornei a ouvir o "Tiempo de silencio" e descobri isto, de que gostei bastante e que, não duvido, já será do seu conhecimento:
http://www.youtube.com/watch?v=pcRs3FxglgQ
Moral da história: em Gaia também há gente culta, fónix!
Claro que conhecia: o Contaminame é uma canção fantástica, que deu origem a uma fundação com o mesmo nome, contra o racismo e a xenofobia. Já foi cantada por muitos outros cantores de várias línguas, tornou-se uma espécie de hino. Aqui está a letra:
Cuéntame el cuento del árbol dátil de los desiertos, de las mezquitas de tus abuelos dame los ritmos de las arbukas y los secretos que hay en los libros que yo no leo
Contamíname, pero no con el humo que asfixia el aire ven, pero sí con tus ojos y con tus bailes ven, pero no con la rabia en los malos sueños ven, pero sí con los labios que anuncian besos.
Contamíname, mézclate conmigo que bajo mi rama tendrás abrigo, contamíname, mézclate conmigo que bajo mi rama tendrás abrigo.
Cuéntame el cuento de las cadenas que te trajeron, de los tratados y los viajeros dame los ritmos de los tambores y los voceros del barrio antiguo y del barrio nuevo
Contamíname, pero no con el humo que asfixia el aire ven, pero sí con tus ojos y con tus bailes ven, pero no con la rabia en los malos sueños ven, pero sí con los labios que anuncian besos.
Contamíname, mézclate conmigo que bajo mi rama tendrás abrigo, contamíname, mézclate conmigo que bajo mi rama tendrás abrigo.
Cuéntame el cuento de los que nunca se descubrieron del río verde y de los boleros dame los ritmos de los bouzukis, los ojos negros la danza inquieta del hechicero.
Contamíname, pero no con el humo que asfixia el aire ven, pero sí con tus ojos y con tus bailes ven, pero no con la rabia en los malos sueños ven, pero sí con los labios que anuncian besos.
Eu sabia que você sabia. Eu é que não sabia. Obrigado pela informação e pelo poema, muito bonito. Vou dar instruções ao vereador responsável pelo pelouro da Cultura para trazer cá o Pedro Guerra.
Para a autobiografia A MINHA VIDA de Lou Andreas-Salomé, a mulher que teve o amor de Rilke e de Nietzsche, e que conviveu intimamente com Freud, Gillot, Rée, e muitos outros homens célebres da sua época. Um relato interessantíssimo, na primeira pessoa, de uma mulher excepcional. Para um dos meus filmes preferidos de sempre - QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF?, de Mike Nichols - que revejo sempre com o mesmo prazer. É superior o texto de Edward Albee, são-no também as interpretações, de um casal "ao rubro", de Liz Taylor e Richard Burton. O filme, não por acaso, conseguiu um feito único na história do cinema: foi nomeado para todas as categorias dos Oscares, em 1966. Para o filme AS HORAS, que vai fundo na análise da infelicidade extrema dos inadaptados sociais, tendo como novidade o prisma de uma outra infelicidade: a das pessoas ditas "normais" que os amam e rodeiam, sofrendo tanto ou mais do que eles e não tendo, sequer, o bálsamo da loucura ou da genialidade. Interpretações inesquecíveis de Nicole Kidman, Julianne Moore e Meryl Streep. Para o filme DIÁRIO DE UM ESCÂNDALO, em que Judi Dench e Cate Blanchett nos guiam maravilhosamente, num brilhante argumento, pelos meandros da manipulação e da perversão femininas. Não percebo como não levou quase todos os Oscares do ano. Para o filme INFAMOUS, de Douglas McGrath, em tudo superior ao mediático e oscarizado "CAPOTE" (que aborda o mesmo tema). Um lote de actores de primeira água numa produção de baixo orçamento, a provar que os filmes fora do mainstream estão cada vez mais na moda, nos States. Para o filme HABLE CON ELLA, de Pedro Almodôvar, que consegue a proeza de transformar em pura poesia um dos mais abjectos crimes imagináveis - a violação - cometido, ainda por cima, sobre uma mulher completamente indefesa. Um filme que fala de um amor incondicional, desesperado, comovente. De um amor que, no seu profundo desajuste, nos faz questionar tudo e redime aos nossos olhos toda a Humanidade.
10 comments:
Bela homenagem a uma grande mulher.
Vi uma exposição das obras dela há poucos anos e senti-me esmagada pela crueza com que Frida grita, sem pudor, na tela o seu sofrimento. Costumo dizer que na arte, aquilo que realmente valorizo é a capacidade de um artista me emocionar. Independentemente de gostar ao não de um certo sentido estético, de gostar ou não de uma forma de fazer arte, se me toca na alma, se me suscita emoções boas ou más conquista-me o coração. A Frida conseguiu faze-lo como poucos.
A mim também, AQ. Acho-a uma mulher admirável: cheia de personalidade, de coragem, de amor e de dores inacreditáveis. E conseguiu transformar tudo isso em arte. Os quadros dela tiram-me o ar.
Adoro a obra da Frida. A sua vida fascina-me.
Pedro Guerra cantou-a, Trostki parece que não deixou nada escrito sobre ela, mas Chavela Vargas sentiu-a e não tem pudor em revelar que a amou.
Penso que sempre canta isto, pensa em Frida Kahlo
http://www.youtube.com/watch?v=sIl7wAEPct4&mode=related&search=
Ana LCosta
Este, pela imagem talvez seja mais sugestivo.
http://www.youtube.com/watch?v=0gQ31m4Yt0s
Já não meto cá o bedelho, nos próximos dias, mas tanto a Frida como a Chavela, mexem comigo. Sigo a Chevela, desde há milhares de litros de Gin, para cá.
Ana L Costa
Vou já ver as suas sugestões, Ana. Mas não quero deixar de agradecer-lhe e dar-lhe um beijinho antes que se vá embora e não volte nos próximos dias.
Obrigada!
Fantásticas sugestões. Lembrei-me do filme, que vi há pouco tempo outra vez. Obrigada, Ana.
Você teve artes de me deixar uma "sementezinha" de Pedro Guerra. Tal é a insistência. E a convicção. Tentei encontrar o que você não encontrou - apesar dos meus múltiplos afazeres, como calcula, e das bocas foleiras que me dirigiu - mas a desejada surpresa saiu frustrada. Em contrapartida, tornei a ouvir o "Tiempo de silencio" e descobri isto, de que gostei bastante e que, não duvido, já será do seu conhecimento:
http://www.youtube.com/watch?v=pcRs3FxglgQ
Moral da história: em Gaia também há gente culta, fónix!
Claro que conhecia: o Contaminame é uma canção fantástica, que deu origem a uma fundação com o mesmo nome, contra o racismo e a xenofobia. Já foi cantada por muitos outros cantores de várias línguas, tornou-se uma espécie de hino. Aqui está a letra:
Cuéntame el cuento del árbol dátil
de los desiertos,
de las mezquitas de tus abuelos
dame los ritmos de las arbukas
y los secretos
que hay en los libros que yo no leo
Contamíname, pero no con el humo
que asfixia el aire
ven, pero sí con tus ojos y con tus bailes
ven, pero no con la rabia
en los malos sueños
ven, pero sí con los labios
que anuncian besos.
Contamíname, mézclate conmigo
que bajo mi rama tendrás abrigo,
contamíname, mézclate conmigo
que bajo mi rama tendrás abrigo.
Cuéntame el cuento
de las cadenas que te trajeron,
de los tratados y los viajeros
dame los ritmos de los tambores
y los voceros
del barrio antiguo y del barrio nuevo
Contamíname, pero no con el humo
que asfixia el aire
ven, pero sí con tus ojos y con tus bailes
ven, pero no con la rabia
en los malos sueños
ven, pero sí con los labios
que anuncian besos.
Contamíname, mézclate conmigo
que bajo mi rama tendrás abrigo,
contamíname, mézclate conmigo
que bajo mi rama tendrás abrigo.
Cuéntame el cuento
de los que nunca se descubrieron
del río verde y de los boleros
dame los ritmos de los bouzukis,
los ojos negros
la danza inquieta del hechicero.
Contamíname, pero no con el humo
que asfixia el aire
ven, pero sí con tus ojos y con tus bailes
ven, pero no con la rabia
en los malos sueños
ven, pero sí con los labios
que anuncian besos.
Eu sabia que você sabia. Eu é que não sabia. Obrigado pela informação e pelo poema, muito bonito. Vou dar instruções ao vereador responsável pelo pelouro da Cultura para trazer cá o Pedro Guerra.
LOL. Faça isso. E convide-me!
Bjs
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