terça-feira, 15 de abril de 2008

Até que enfim

Miguel Vieira (um conceituado estilista português, para quem não conhece o nome) afirmou há tempos, numa entrevista, que "na moda portuguesa não existe anorexia". Eu já tinha ouvido dizer o mesmo a Fátima Lopes (a estilista, não a apresentadora). E a afirmação que ambos sustentam, obviamente falsa, é ainda mais grave porque vem de pessoas que são co-responsáveis por uma realidade dramática que só elas parecem não ver.
Revolta-me a indiferença, ou, o que é pior, a lúcida cumplicidade no crime. Os distúrbios alimentares são um dos grandes flagelos com que se debatem as sociedades ocidentais, hoje em dia. A nossa também, como é evidente. Talvez menos do que outras, comparativamente, mas não é por isso menos preocupante. Não existe anorexia??? Por favor! E, mesmo que não existisse "no interior" do mundo da moda (o que é falso), o que dizer do mundo "cá fora", a quem a moda se destina? Ou será que a influência daquelas figurinhas cadavéricas (que dão pelo nome de manequins) nos adolescentes, também é inexistente? É só ter a coragem de ir até ao Hospital de Santa Maria, por exemplo, e ver... com olhos de quem quer ver. Mais: não é apenas um problema feminino. Cada vez mais está a afectar os rapazes também.

Se pensarmos que é exactamente do mundo da moda que pode vir a solução para resolver uma boa parte deste terrível problema, não me parece exagerado falar em atitude criminosa. A Organização Mundial de Saúde anda, há anos, a apelar repetidamente aos grandes costureiros e opinion leaders da moda internacional - que ditam como devemos ser por fora - que promovam uma imagem feminina mais saudável, o que passa naturalmente por um peso equilibrado. Só Espanha, inteligentemente, lhe deu ouvidos (A Moda Madrid, com a exigência de um peso mínimo para as manequins, conseguiu a atenção do mundo inteiro e muita publicidade de borla para os desfiles, além da simpatia geral). É incompreensível que todos os países não lhe tenham seguido o exemplo. Seria tão fácil! Os gurus da moda têm um poder tal, que bastaria a sugestão de uma mulher mais "cheia" como ideal de beleza, para que todas as mulheres do ocidente quisessem parecer-se com ela.
Isto para não falar de outra aberração: a de utilizar esquálidas rapariguinhas de 13 e 14 anos (autênticas Lolitas autorizadas), produzidas como se fossem adultas, desfilando roupas que se destinam a gente muito mais madura, que é a que tem poder de compra. Esse é outro escândalo, que deveria também ser visto com atenção. Até porque ambos estão intimamente ligados: numa idade em que os corpos não estão ainda completamente formados, as carências alimentares - e também as drogas e o álcool que elas usam para iludir a fome - impedem o normal desenvolvimento e causam outras doenças graves. É irónico, sobretudo se pensarmos na ilusória duração destas carreiras, mesmo as (poucas) bem sucedidas.
É por isso que é inadmissível que se continue a tapar o sol com a peneira, fingindo que está tudo bem. Em Portugal ou em qualquer lado, ainda por cima em nome de inutilidades. E é por isso também que me alegrou agora esta boa notícia. Finalmente, parece que algum bom senso iluminou os grandes do mundo da Moda. França, a capital desse mundo, a dar o exemplo, depois de Espanha ter aberto o caminho. O meu aplauso. Até que enfim.

15 comments:

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

junto-me a ti!

Não podemos também esquecer as outras formas que existem de anorexia...porque a doença pode ter outras causa que não a da procura da perfeição.
No ano passado o JN teve um artigo muito bom sobre a anorexia.

beijinho

ana v. disse...

Claro que há outras causas e outros problemas, Júlia. Mas não devo estar enganada quando digo que a Moda tem a maior fatia de responsabilidade e também a solução para a mudança, que é tão urgente. Basta que mude o arquétipo da beleza feminina, e todo o mundo irá atrás!

PSB disse...

Em acordo absoluto. Aliás, do meu ponto de vista, as magrelas que personificam o esterotipado ideal de beleza por essas passereles, não têm mesmo interessezinho nenhum. Parecem penduradas num cabibe sem volume, qual pau de virar tripas. Vivam as curvas!
PS. Reparaste que andaste um mês para a frente na data deste post? Estás muito acelera...
Beijos

PSB disse...

Rectifico: cabide

ana v. disse...

Pedro, esse é o maior mistério para mim: quando perguntados sobre o tema, são raros os homens que gostam de mulheres muito magras. E no entanto são essas que são apresentadas como ideais, pela Moda. Não posso deixar de concluir que a moda é feita por e para gente que não gosta das (ou de?) mulheres!

Já lá fui rectificar o mês. Nem sei como fiz essa habilidade...

PSB disse...

Só pode haver uma explicação (para as magras, não para a data): é para pouparem nos tecidos, lol...

ana v. disse...

LOL
Admira-te...

fugidia disse...

Como dizia alguém, nunca ouvi falar no pecado dos ossos, só da carne...
:-)

Sofia K. disse...

A Fugidia tem razão...

A propósito 'dessa' boa notícia, ontem na televisão, um desenhador de moda português dizia que o número ideal para a roupa de mulher é o trinta e seis! Só assim dá para perceber o corte da roupa e o modelo... era qualquer coisa assim! Confesso que fiquei orgulhosa! E eu agora ainda tenho desculpa! Mas sei bem o que é passar fome para ser mais magra... cheguei a comer um pacote de bolachas e um iogurte, por dia! Cheguei a vestir o 32 e às vezes ficava largo! Foi há quatro anos... depois deixei-me de tretas e rendi-me aos prazeres da carne... não estou arrependida!

Beijos

CPrice disse...

e que excelente decisão tomou Sofia :)

Acompanhei esta polémica em Espanha na altura e tal como então acho que está na hora de mudar de ditado .. há outro vento por lá. ;)

Também fico contente com esta boa notícia !

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

Ana, eu disse que estava contigo, lê o que escrevi. Simplesmente acrescentei mais alguma coisa que achei essencial. Ou não posso?
A anorexia não se resume a problemas de Modas, é uma doença mais abrangente.

Era desnecessário falares no tom que pressinto.

beijo

ana v. disse...

Querida Júlia,

Alguma coisa interpretaste mal na minha resposta, se lhe pressentes um tom estranho. Só pode ser um equívoco, e só pode ser culpa minha.
Claro que podes - e deves! - acrescentar tudo o que quiseres, e claro que tens razão. A anorexia é um problema muito complexo e uma doença abrangente. Não quis de maneira nenhuma contradizer-te. O que digo é que uma boa parte da solução está no mundo da moda, pela questão do mimetismo que é típico da adolescência, principal grupo de risco desta doença.
Não te zangues, por favor. Não há qualquer reserva na minha resposta. E volta sempre, com as tuas opiniões, claro.

Beijinho

tcl disse...

Ana, já disseste tudo e muito bem. concordo contigo em absoluto.
impressionante a fotografia que aqui deixas. chocante, mesmo.

Anónimo disse...

Ó SENHORA DONA DESTE BLOG. NAO SERÁ MELHOR LER BEM AS NOTICIAS E DEPOIS SIM COLOCAR PALAVRAS NOS NOMES DOS ESTILISTAS. EU LI A REPORTAGEM E NAO VI O ESTILSTA MIGUEL VIEIRA, A DIZER NADA DISSO. AFIRMA QUE É UM CASO PREOCUPANTE... MAS QUE REALMENTE NOS DESFILES DELE NAO EXISTE. TEM IMAGENS DE MANEQUINS DOS DESFILES DESSE GRANDE HOMEM COM MODELOS ANORETICAS? SE TIVER ENTAO TRAGA PARA O SEU SUPER BLOG, QUE MAIS PARECE UM BLOG ANORETICO , SEM CONTEUDO

ana v. disse...

Ó senhor(a) Anónimo(a), eu é que sugiro que leia outra vez a notícia, com mais atenção. Para isso pus um link no post, que é o que costumo fazer sempre que cito alguém. Não há sequer margem para interpretações nas declarações do estilista Miguel Vieira, se ele diz claramente que "a anorexia é inexistente na moda portuguesa". Siga o link e leia melhor, e depois venha então acusar-me de mentirosa. Mas, já agora, faça-o dando a cara. Esse anonimato nos ataques fica-lhe mal, sabe?