quinta-feira, 6 de setembro de 2007

O crepúsculo de um deus


Lembro-de bem da profunda impressão que me causou quando o vi (e sobretudo ouvi) cantar ao vivo, a menos de dez metros de mim, ainda em pleno esplendor da sua poderosíssima voz.
Gostei sempre mais da doçura e maleabilidade da voz de Plácido Domingo, por contraponto à imensa força da natureza que era a de Pavarotti. Muito abaixo dos dois, na minha opinião, ficou sempre José Carreras (não fosse a tocante e exemplar história de saúde, uma lição de preserverança e de estoicismo, e não lhe reconheceria o direito a um lugar entre "os três tenores"). Mas tenho que admitir que Pavarotti, não sendo o meu preferido, era absolutamente arrasador em palco. Abria a boca e saía - aparentemente sem o menor esforço - um vozeirão magnífico, seguro e cheio, que enchia cada recanto da sala e fazia arrepiar de espanto quem o ouvia.
Teve ainda um outro enorme mérito: o de ter sido o primeiro a abrir as portas do canto lírico, habitualmente reservado a um público reduzido e exigente, às chamadas "massas". Por causa das suas parcerias com variadíssimos músicos de outros géneros musicais - pop e rock, sobretudo - o universo operático deixou de ser um "papão" inacessível para muita gente. Ficam para a história os concertos Pavarotti and Friends, a favor de causas humanitárias para as quais arrecadou muito dinheiro e chamou as atenções do mundo.
Por tudo isto assisto com tristeza, nestes dias, ao crepúsculo de um deus.

Adenda: O desfecho era previsível. Pavarotti morreu hoje de manhã (6 de Setembro), aos 71 anos. A música perde uma das suas grandes figuras, em todos os sentidos.

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