quinta-feira, 21 de junho de 2007

Maríntimo II


Nunca, até então, tinha sentido uma tão intensa sintonia com objecto inspirador de quase toda a sua obra. Desejara desde sempre ter com ele uma relação de cumplicidade, de segredos partilhados, de intimidade absoluta. Mas sempre se interpusera entre eles a insondável distância que separa a estrela do mísero planeta que dela se alimenta. Eles eram o mestre e o fascinado aprendiz, a serpente e o pássaro subjugado.

Escrevia febrilmente no ar, molhando os dedos no grande tinteiro azul, pernas cruzadas sobre conchas e areia. Finalmente, o sonho que se cumpria.

A hora era branca, a luz total.

Nunca soube quanto tempo durara a magia. A avaliar pela luz tinham sido várias horas, pois lembrava-se de ter chegado ali quando o sol ainda se anunciava no horizonte. Levantou-se, por fim, sentindo um formigueiro no corpo, devido mais à excitação do que à anterior imobilidade.

Quis levar debaixo do braço o registo daquela comunhão perfeita e percebeu, assombrado, que nada tinha entre as mãos.

Olhou o mar, sentido, e cada onda era uma gargalhada.

8 comments:

João Paulo Cardoso disse...

Muito bom, como sempre.

Apetece ler e reler até o Verão acabar.

Beijos.

Mad disse...

A propósito de um "recado" teu há uns posts atrás, em que te queixas amargamente de falares pró boneco, aqui vai a minha resposta.
Como dizia o JP, o teu blog é mais "sério" que os outros. O que não tem mal nenhum: só que nos deixa sem vontade de meter o pé na poça... e calamo-nos por cautela.
Por não comentar, às vezes parece que não ando por aqui. Não é o caso: ponho este (e outros blogs) disponíveis off-line e levo-os para casa, para ler com calma.
A partir de agora, não prometo comentar mas prometo cumprimentar.
Beijos no sítio do costume,
Mana

ana v. disse...

JP,
Agradece e retribui, sem nenhum favor. Cada um no seu estilo, não é?
Bjs Ana

Mad:
Deixa-te de tretas. Ou queres convencer-me de que não consegues comentar uma coisa mais séria?? Lá por teres ido viver para o fim do mundo o teu cérebro não diminuiu, que eu saiba. Além disso, "meter o pé na poça" num sítio desses é uma delícia, só tem que se ter cuidado com as piranhas. Quem me dera!
Vá lá, menos preguiça mental.
bjs
M'ana

Mad disse...

Não é preguiça mental, é perda de faculdades mesmo. Ou achas que viver aqui não deixa marcas? Falando muito a sério, conversar todos os dias com o Diogo, a Pazinha, 1 alentejano bêbado e a mulher dele, que é "poucochinho", 3 cães e 1 gato não faz propriamente maravilhas pelos neurónios!
Há dias que o maior esforço mental que faço é escolher o que mandar fazer para o almoço...
Tu estiveste aqui, viste como é.

Mad disse...

E não comentei o texto outra vez. E é preciso?

Cleopatra disse...

Linda a foto
Lindo o texto
Verdadeiro o momento
Tão real o sentir.

ana v. disse...

Mad,
Mais uma razão para ginasticares o cérebro sempre que puderes. A net ajuda (põe rapidamente em casa, é uma questão de sobrevivência mental)e os livros também. E esta coisa dos blogs é uma excelente ponte com a civilização, embora eu tenha sérias dúvidas quanto ao que é e não é civilização. Enfim, o que eu quero dizer é que está na tua mão não te deixares embrutecer.
Bjs

ana v. disse...

obrigada, Cleopatra.