terça-feira, 12 de junho de 2007

Good old "boys"

Volto à política. (ver post anterior: E agora, José? - de 1 Jun. 2007)
E volto porque é irresistível, quando assim feita poesia: irónica, cáustica, corrosiva até ao osso dos partidos. Salvaguardando as perigosíssimas generalizações, este é um retrato bem realista dos nossos lucky few.
Uma ferroada que nos dá um certo gozo, uma vingança possível. Inconsequente, claro, mas ainda assim balsâmica...



FEIOS, PORCOS E MAUS *

Compram aos catorze a primeira gravata
com as cores do partido que melhor os ilude.
Aos quinze fazem por dar nas vistas no congresso
da jota, seguem a caravana das bases, aclamam
ou apupam pelo cenho das chefias, experimentam
o bailinho das federações de estudantes.
Sempre voluntariosos, a postos sempre,
para as tarefas da limpeza após o combate.
São os chamados anos de formação. Aí aprendem
a compor o gesto, interpretar humores,
a mentir honestamente, aí aprendem a leveza
das palavras, a escolher o vinho, a espumar
de sorriso nos dentes, o sim e o não
mais oportunos. Aos vinte já conhecem pelo faro
o carisma de uns, a menos valia
de outros, enquanto prosseguem vagos estudos
de Direito ou de Economia. Começam, depois
disso, a fazer valer o cartão de sócio: estão à vista
os primeiros cargos, há trabalho de sapa pela frente,
é preciso minar, desminar, intrigar, reunir.

Só os piores conseguem ultrapassar esta fase.
Há então quem vá pelos municípios, quem prefira
os organismos públicos - tudo depende do golpe
de vista ou dos patrocínios que se tem ou não.
Aos trinta e dois é bem o momento de começar
a integrar as listas, de preferência em lugar
elegível, pondo sempre a baixeza acima de tudo.

A partir do Parlamento, tudo pode acontecer:
director de empresa municipal, coordenador de,
assessor de ministro, ministro, comissário

ou director executivo, embaixador na Provença,
presidente da Caixa, da PT, da PQP e, mais à frente
(jubileu e corolário de solvente carreira),
o golden-share de uma cadeira ao pôr-do-sol.
No final, para os mais obstinados, pode haver
nome de rua (com ou sem estátua) e flores
de panegírico, bombardas, fanfarras de formol.

JOSÉ MIGUEL SILVA, in Movimentos no Escuro (Relógio d'Água, 2005)

*Nota: Embora não figure n'Os Louros do Vento, o filme de Ettore Scola é um dos meus preferidos de sempre. Se alguém, por absurdo, ainda não o viu, por favor vá a correr ao clube de video. O que nos comove, nos diverte e nos ensina, esta hora e meia de puro deleite!!

2 comments:

João Paulo Cardoso disse...

O que é que fiz da minha vida?

Deveria ter começado por comprar aquela gravata quando tinha 14 anos...

Podia ter sido político.
Hoje sou só pobre e honesto.

Anónimo disse...

Seja bem vindo, JP! Estava a começar a sentir-me sozinha... Tanto que até vou deixar um aviso à navegação, para futuros posts.
Quanto às suas opções, talvez o console saber que também não comprei a tal gravata (ou, no meu caso, talvez um laçarote para o cabelo). Fomos tansos, meu amigo.
Agora somos honestos, está bem, mas para que é que isso serve????

Vá aparecendo.
bjs