quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Minúsculo


Voltando à remodelação ministerial, ou àquilo que pretende parecer: o despedimento de Correia de Campos não passa afinal de um "pequeno acontecimento". Exactamente como o foi, para ele, a morte de uma pessoa.
Era só isto.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Uma Utopia possível

Passam hoje 60 anos sobre a morte de uma das mais fascinantes e ímpares personagens da história da Humanidade. A última urna conhecida contendo as cinzas de Gandhi foi hoje lançada ao mar, simbolicamente, em frente a Bombaim.
Fazem falta, cada vez mais, homens como ele. Mas estou a pedir muito: se aparecesse só um, e só levemente parecido com o Mahatma, já estaríamos com muita sorte.

Descubra as diferenças



É impressão minha ou o novo ministro da cultura é igualzinho ao marido da princesa Carolina do Mónaco? Experimentem vê-lo com um ar mais blasé e um copo na mão (sempre um copo na mão...) e digam-me lá se não tenho razão.
Espero é que as semelhanças se fiquem pelo físico...
(Dizem-me que eu tenho a mania das parecenças, e deve ser verdade)

Ah, Tigre!!

Hoje de manhã, divertiu-me uma notícia insólita na televisão, a desviar atenções da novidade pardacenta da remodelação ministerial.
Na Azambuja, imagine-se, andaram tigres à solta! Acompanhei com a maior curiosidade - afinal de contas, sempre é a santa terrinha - a reportagem da SIC Notícias, em que uma jornalista ia descrevendo os acontecimentos in loco, com uma ansiedade compreensível, já que estava no próprio sítio onde se encontrava o último dos dois tigres fugidos do circo Chen, ainda à solta. Às tantas, a nervosíssima repórter - entre mirones, veterinários com tranquilizantes e domadores de circo - dizia esta estranha frase: "O animal encontra-se efectivamente naquilo que aparenta ser de facto uma quinta" (sic).
Humm... aquilo deixou-me intrigada. O que será um sítio que "efectivamente aparenta de facto" ser uma quinta, e não o é? Vi-me, de repente, transportada para uma inquietante twilight zone ribatejana. Depois de instalada a dúvida, todo o cenário se altera. Quem sabe, até, o animal à solta também "efectivamente aparentasse ser de facto um tigre", e não o fosse? Talvez fosse um gato, afinal. Na Azambuja, é bicho que não falta.
De circo, portanto, continuamos a estar bem servidos. O pão é que continua a faltar...

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Gostei


A revista literária brasileira Nós - Fora dos Eixos noticia hoje o prémio recebido pelo meu livro "A Poesia é para Comer".
Desculpem a imodéstia, mas... gostei de ver, claro.

Espera

Ela esperava-o por detrás da janela, espreitando, de vez em quando, através da cortina translúcida que coava a luz da tarde. Ela esperava-o por detrás do pc, espreitando, de vez em quando, a caixa de entrada do outlook no écran luminoso.
Nada. Ele tardava.
Não ouvira ainda o som dos passos no caminho de saibro, a fricção das botas produzindo um estranho ruído de cascavel. Não ouvira ainda o som do notificador de mensagens, um silvo agudo que lembrava o de uma cascavel.
Nada ainda. Ele tardava.
Olhou o relógio de parede, ao canto da sala. Pegou no livro aberto e leu mais um capítulo, para entreter a espera. Olhou o relógio digital, no canto inferior do plasma. Escreveu mais um post, para entreter a espera.
Era tarde. Ele já não viria.
Fechou todas as janelas e por fim a porta da rua, e foi deitar-se. Deixou-lhe um bilhete na porta, para o caso de ele ainda chegar nessa noite. Fechou todas as janelas no desktop e por fim clicou no exit, e foi deitar-se. Enviou-lhe um email, para o caso de ele ainda abrir o pc nessa noite.
Falamos depois. Vemo-nos amanhã? Amo-te. Beijos. Call u asap. Say when. Luv u. Kss.
(Imagem - A. Modigliani)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Promessas



Prometo ter juízo.
Mas não prometo cumprir a promessa.

(Imagem: R. Magritte)

domingo, 27 de janeiro de 2008

Sul


E porque a minha bússola aponta sempre o Sul, aqui fica uma belíssima canção de alguém que percebe muito bem o que eu quero dizer. Bom Domingo.

(O Extremo Sul - José Miguel Wisnik)


O extremo Sul
lá na fronteira onde beira o firmamento
o céu azul
que te escondeu atrás do véu do pensamento
onde eu e tu
sabemos bem que vai e vem o esquecimento
que leva tudo
e nos mantém vivos, suspendidos no tempo

Protege bem
o lume aceso do desejo assim tão vário
guarda e contem
o mundo inteiro num luzeiro solitário
que tu completas
com teu jeito e teu exemplo originário
de quem contempla
o firmamento como um tempo planetário

Até amanhã
se Deus quiser
eu deixo tudo o que eu tenho
e vou aí te ver
te amo tanto
te chamo tanto
e será sempre mais ao Sul
ou mais azul
felicidade
o sonho de viver

sábado, 26 de janeiro de 2008

Sabes o que é um estereograma?


Desafiada por um amigo com a pergunta "Sabes o que é um estereograma?" embrenhei-me, intrigada, pelo estranho mundo do trompe l'oeil que reina aqui neste site. Lá estão os ditos estereogramas, para todos os gostos, provocando-nos com a seguinte frase sobre cada imagem: Stare at the picture below. Can you see the hidden image?
Obedientemente, fixei o quadro à minha frente, no écran do computador. Nada, nenhuma revelação. Mas eu tinha sido avisada: "Tens que esperar um bocadinho e ter paciência. Mas vale a pena, porque, quando conseguires ver, é um espectáculo!" Por isso me dispus a esperar, com os olhos presos às difusas manchas coloridas que teimavam em não se transformar em nenhuma espécie de hidden image. Esperei. Nada. Esperei mais, experimentando novas formas de olhar aquilo: de mais longe, de mais perto, fixando os olhos no centro do rectângulo, nos cantos, semicerrando os olhos, etc. Nada. Tentei quase todos os estereogramas (há uma longa lista à escolha, de todas as cores e com vários temas). Nada. Só manchas, às vezes com um ou outro boneco irritante a um dos cantos ou uma fila de figurinhas em baixo ou em cima, e um emaranhado de teias de aranha no meio.
Já exasperada, fui procurar explicações para a minha cegueira funcional quanto a estereogramas. E encontrei-as, para minha frustração: "Pessoas com problemas de convergência ocular não conseguem ver as imagens". Lembrei-me do meu saudoso oftalmologista e amigo da minha mãe, o querido Dr. Sousa e Faro (era igual ao actor David Niven, a ponto de lhe pedirem autógrafos, na rua), que me diagnosticou esse problema desde muito cedo: "A miúda tem um problema de focagem, nada de especial. Isto corrige-se, com paciência e uns óculos apropriados". Ora eu nunca tive paciência para tratamentos nem quis usar os tais óculos, por isso continuo a ter o mesmíssimo problema de convergência, que nunca me atrapalhou a vida e apenas me impede de centrar devidamente figuras e objectos no campo visual (por exemplo em fotografias, quando me sai, na revelação, a pessoa que estava ao lado da que queria fotografar...).
Tudo isto para te dizer, P., que agradeço a dica mas nunca cheguei à sensação fantástica que me descreveste. Os céus ou os meus genes presentearam-me com um ouvido absoluto mas, em compensação, negaram-me os prazeres ópticos dos estereogramas. Paciência. Se eu quiser ver imagens que não estão ao alcance dos meus olhos, tenho uma boa solução: fecho-os e recorro à imaginação e ao sonho, que, felizmente, nunca me faltaram. Costumo dizer que, se fechar os olhos, até o mar vejo.
Mas deixo aqui a dica, para todos os que têm olhos normais. Vão lá espreitar e digam-me o que acharam, está bem? Só para me fazer inveja. Aproveitem...
Nota: O estereograma acima chama-se "Horse". A quem descobrir um cavalo no meio deste caos de minhocas, desejo um belo e orgástico momento.

Have you... really?

Eric Clapton - Have you ever loved a woman?

Bryan Adams - Have you ever really loved a woman?

Obrigada

O Porta do Vento foi distinguido com um simpático selo de qualidade, atribuído pela T do Dias que Voam. Agradeço a honra e espero continuar a merecê-la, embora com muito pouco tempo disponível nos últimos dias. De tal maneira que nem tinha dado por esta distinção.
Peço desculpa mas não vou nomear 5 blogs de qualidade, como me pedem. Conheço e visito regularmente muitos e excelentes blogs, seria difícil e injusto escolher apenas 5 deles. Assim, ofereço este selo a todos esses blogs onde me divirto, aprendo e me emociono tantas vezes.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Biclicletas XII

Passam hoje pela Porta do Vento as últimas bicicletas de uma série que se estendeu por 12 posts. E esta série encerra precisamente como começou - com uma das minhas vozes e uma das minhas canções preferidas: Katie Melua, em Nine Million Bicycles. Que voltem todas para Pequim, de onde partiram em Agosto de 2007 para entrar, pela primeira vez, por esta porta. Todos os giros têm um final, e este chegou à linha da meta. Sem vencedores nem vencidos, mas com boas músicas e imagens curiosas. Outros temas virão.

(Katie Melua - Nine million bicycles)

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Pelo sonho


mais um recém-nascido neste imenso e (ainda) novo mundo da blogosfera: ainda não se aguenta bem em pé, ainda tropeça e cai, mas promete.
Ou não abrisse as portas com o belíssimo poema de Sebastião da Gama, anunciando que é pelo sonho que vai. E vai bem, que o sonho é o único caminho que nos leva a algum lugar. Tenho muita honra em ser uma das madrinhas do neófito.

Não havia necessidade


adoeci. nada de grave. constipado. o pingo, no seu estalactítico vaivém, sempre abeirado da queda. é uma chatice. nada de mais. passei numa farmácia para comprar uns medicamentos. chamava-se sanitas. bem sei que estar doente é uma merda, mas não era preciso isto.


Nota: Encontrado aqui, onde já não passava há algum tempo. Por puro esquecimento, porque sempre que por lá passo encontro alguma coisa que me faz tirar o chapéu ao autor. Devo prevenir os incautos de que os textos às vezes são "da pesada" para ouvidos (ou olhos) mais sensíveis. Mas garanto que vale a pena ultrapassar esse pormenor, pela genialidade de alguns posts. Parabéns ao Azia.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Diz-me quem te reforma, dir-te-ei quem és

Pouco mais há a dizer sobre este assunto. Todos os comentários já foram feitos, todas as indignações já foram gritadas aos sete ventos. E todos eles sem qualquer efeito, como se sabia que iria ser, desde o princípio.
Não venho aqui acrescentar protestos, clamar por justiça social nem invocar vergonhas que não existem onde deviam existir. Apenas me lembrei de uma amiga minha que espera, há mais de dois anos, a caridade de uma sentença favorável de junta médica para o seu pedido de reforma por doença. E está doente, sim. MUITO doente: tem uma doença rara, incurável, incapacitante e de evolução rápida, que lhe dá dores permanentes e uma deformação progressiva das articulações. A profissão, que exerce com paixão há mais de 20 anos? Educadora de infância...
Já juntou infindáveis relatórios de especialistas, todos eles absolutamente conclusivos, e já se apresentou com eles em, pelo menos, 3 juntas médicas. Perde e recorre, perde e volta a recorrer. E não, não lhe dão a reforma. Porquê? Não faço ideia. Talvez porque é viúva e não tem dinheiro para pagar a um bom advogado, que a defenda desta gritante injustiça. Talvez porque é discreta e tem pudor de levar o seu caso para as televisões, onde se resolveria em três tempos para calá-la depressa. Talvez só por não se chamar Paulo Teixeira Pinto, e não ter sido CEO do Millennium BCP.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Ironias


"Passamos uma vida inteira à procura de um tesouro. Sabemos que ele existe, sabemos que espera por nós algures, na sombra, só não sabemos onde está. E aquilo que mais tememos não é morrer sem o ter encontrado, mas sim descobrir um dia onde se esconde e não poder chegar-lhe porque, por alguma razão, nos é inacessível. Essa é a grande frustração e a grande ironia."

Peter G. Smith, egiptólogo

Nada na manga, respeitável público



Ah, mas é claro que sim!... quem é o espírito de má fé que duvida disto???
A democracia em Cuba é uma evidência. Honi soi...

Kids are a girl's best friends

That's why some of us have to get great boobies and nice legs... no matter how!

sábado, 19 de janeiro de 2008

Regras para um bom português


1. Deve evitar ao máx. a utiliz. de abrev., etc.

2. É absolutamente desnecessário empregar um estilo de escrita demasiadamente rebuscado. Tal prática advém de esmero excessivo que raia o exibicionismo narcisistico.

3. Anule aliterações altamente abusivas.

4. não esqueça as maiúsculas no inicio das frases.

5. Fuja de lugares-comuns como o diabo foge da cruz.

6. O uso de parêntesis (mesmo quando for relevante) é desnecessário.

7. Estrangeirismos estão out, palavras de origem portuguesa estão in.

8. Evite o emprego de gíria, mesmo que pareça nice, tá fixe?

9. Palavras de baixo calão podem transformar o seu texto numa merda.

10. Nunca generalize: generalizar é um erro em todas as situações.

11. Evite repetir a mesma palavra, pois essa palavra vai ficar uma palavra repetitiva. A repetição da palavra vai fazer com que a palavra repetida desqualifique o texto onde a palavra se encontra repetida.

12. Não abuse das citações. Como costuma dizer um amigo meu: "Quem cita os outros não tem ideias próprias".

13. Frases incompletas podem causar

14. Não seja redundante, não é preciso dizer a mesma coisa de formas diferentes; isto é, basta mencionar cada argumento uma só vez, ou por outras palavras, não repita a mesma ideia várias vezes.

15. Seja mais ou menos especifico.
16. Frases com apenas uma palavra? Jamais!

17. A voz passiva deve ser evitada.

18. Utilize a pontuação correctamente o ponto e a virgula especialmente será que já ninguém sabe utilizar o ponto de interrogação

19. Quem precisa de perguntas retóricas?

20. Conforme recomenda a A.G.O.P, nunca use siglas desconhecidas.

21. Exagerar é cem milhões de vezes pior do que a moderação.

22. Evite mesóclises. Repita comigo: "mesóclises: evitá-las-ei!"

23. Analogias na escrita são tão úteis quanto chifres numa galinha.

24. Não abuse das exclamações! Nunca! O seu texto fica horrível!

25. Evite frases exageradamente longas, pois estas dificultam a compreensão da ideia nelas contida, e, por conterem mais que uma ideia central, o que nem sempre torna o seu conteúdo acessivel, forçam desta forma, o pobre leitor a separá-la nos seus diversos componentes, de forma a torná-las compreensíveis, o que não deveria ser, afinal de contas, parte do processo da leitura, hábito que devemos estimular através do uso de frases mais curtas.

26. Cuidado com a hortografia, para não estrupar a lingúa portuguêza.

27. Seja incisivo e coerente, ou não.

28. Não fique escrevendo no gerúndio. Você vai deixando seu texto pobre - causando ambiguidade - e esquisito, ficando com a sensação de que as coisas ainda estão acontecendo.

29. Outra barbaridade que você deve evitar é usar muitas expressões que acabem por denunciar a região onde tu moras, carago!

Nota: Texto recebido por e-mail, de um autor que desconheço.

De Madrid

Madrid continua a mesma cidade imparável de sempre.

Cheguei ao hotel há pouco, de um evento onde estavam cerca de 600 pessoas, num belo palacete neoclássico que pertence ao consulado italiano. E muitas dessas pessoas seguiram para mais "unas copas", por aí.
Por lá as "copas" não faltaram, nem o luxo de um cocktail em que ficámos todos mais do que jantados. O núcleo duro da empresa que organizou o evento esteve hoje a trabalhar toda a tarde a uma velocidade alucinante, para assegurar o êxito que todos testemunhámos. Mais: sei que combinaram um pequeno almoço de trabalho para amanhã, às nove e meia da manhã, uma reunião de balanço do dia de hoje e para delinear estratégias futuras. Assim mesmo: um desayuno a um sábado, bem cedo, depois de uma festa de arromba.
Mas, pasme-se: foi esse mesmo grupo, apesar de tudo isto, o principal impulsionador da ideia de partir dali para "la noche". Fantásticos hermanos nuestros, que têm um fôlego de se lhes tirar o chapéu!
Uma amostra da música que me acompanhou na viagem de volta: o velho álbum Fisica y Quimica, de Joaquin Sabina.

(Joaquin Sabina - A La Orilla De La Chimenea)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A meças...

Um norte-americano e um português trocam galhardetes.

Diz o americano:

"We have George Bush, Stevie Wonder, Bob Hope, Johnny Cash..."

Responde o português:

"We have José Sócrates, No Wonder, No Hope, and No Cash."

Nota: Devo dizer que, por muito que me irrite o Sócrates, não o trocava pelo outro. Nada de confusões...

He's back, ladies!


Aí está ele de novo, numa nova série de episódios (a 4ª, para já).
Por enquanto só na Fox, às segundas feiras à noite.
Por mim, já tenho lugar cativo. Na primeira fila, claro.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Só para dizer

Na minha geração o verbo amar não se conjuga em voz alta, porque as pessoas da minha geração não sabem dizer o amor. Sabem senti-lo, sabem fazê-lo e sabem sentir-lhe a falta. Sabem dá-lo e recebê-lo sem reservas, sabem viver com ele e até morrer por ele. Mas não sabem dizê-lo.

Não falo, evidentemente, dos poetas, prosadores e letristas. Esses tratam as palavras por tu, afagam-nas e brincam com elas como se fossem brinquedos. Refiro-me aos cidadãos comuns, reféns de um estranho atavismo geracional que aboliu, sem apelo nem agravo, a confissão expressa do mais belo sentimento que existe.

Quando começámos a ter idade para os primeiros namoros, o léxico de que dispúnhamos era limitadíssimo: era francamente "piroso" ir além do tímido gosto de ti. Gosto muito de ti ainda era admissível, mas ficava reservado para os momentos mais empolgados. E tudo tinha que ficar dito assim, de uma forma acanhada e pobre, entregue à imaginação e interpretação de quem recebia a mensagem. Depois, saltava-se do gosto de ti para a enorme desproporção do adoro-te. Pelo meio, irremediavelmente proscrito, ficava o tal amo-te que era absolutamente impensável, caso mesmo para a total desclassificação social.

E assim crescemos e amámos, impedidos de exprimir com inteira liberdade o que sentíamos, privados de um verbo essencial. Aprendemos a socorrer-nos de truques - a tradução para outras línguas - je t'aime ou I love you eram não só expressões permitidas como muito apreciadas. As canções românticas falavam por nós, livres do preconceito linguístico. Eram a nossa vingança. Também os cantores brasileiros eram, muitas vezes, os nossos preciosos Cyranos, acrescentando o mel da pronúncia ao proibidíssimo eu te amo.

Hoje em dia tudo isso mudou radicalmente, a ponto de termos caído no extremo oposto. Antes assim, apesar de tudo. Mas, quando vejo os concorrentes de um qualquer reality show, de lágrima ao canto do olho, esbanjarem pungentes "amo-te muito" com total displicência, atirando-os através do ecrã aos avós, pais, namoradas e animais de estimação (praticamente em igualdade de circunstâncias), lembro-me da falta que me fizeram esses mimos quando queria pronunciá-los e não podia. Porque não me ficava bem dizê-los. Porque arranhavam o ouvido e se enrolavam na língua, não tanto por culpa de uma fonética arrevesada como de um preconceito idiota.

(Clã - Problema de expressão)

domingo, 13 de janeiro de 2008

A eterna inocência


Quem ama nunca sabe o que ama,
nem sabe porque ama,
nem o que é amar.
Amar é a eterna inocência,
e a única inocência é não pensar.
Alberto Caeiro
(Imagem: "Os Amantes" de René Magritte)

Uma lágrima, um voto

Acabei de ouvir Marcelo Rebelo de Sousa dizer que Hillary Clinton ganhou em New Hampshire porque chorou em público. Ao que parece, comoveu-se e soltou umas oportuníssimas lágrimas, quando uma velhinha lhe perguntou como reagia ao excesso de pressão desta campanha.
Concluíu Marcelo que a senhora mostrou, desta forma, uma faceta mais humana que lhe rendeu votos preciosos. Talvez tenha razão, não sei. De qualquer maneira, ver alguém chorar por votos, a mim, parece-me hillaryante.

Bicicletas XI


(Anne Sofie von Otter & Elvis Costello - Broken Bicycles)

sábado, 12 de janeiro de 2008

Problemas

Engraçado, nós cá também temos um problema destes...

Imagem encontrada aqui.

Porque no te callas?


Que Mário Soares sempre cultivou uma pose majestática, já todos sabemos. O país deixou-o sempre brincar aos reis, porque sempre lhe achou graça e sempre lhe perdoou tudo. Em nome de uma dívida antiga, possivelmente, já que ele nos "salvou" de uma mais do que certa condenação a um comunismo radical altamente preocupante, à época. Mas Soares não pode queixar-se do seu país: Portugal tem demonstrado larga e generosamente a sua gratidão, concedendo-lhe uma espécie de carta branca (que atribui a muito poucos, note-se) e aturando todos os caprichos e excentricidades deste seu longevo enfant gaté. Às vezes, já um bocadinho farto, diz-lhe um "basta!", como aconteceu nas últimas eleições presidenciais. Mas, normalmente, deixa-o passear a sua coroa fictícia sem comentários de maior. Trinta e tal anos depois, a tal dívida já foi, quanto a mim, mais do que saldada.
Mas Soares leva o seu papel de rei muito a sério. Agora, segundo parece, foi o seu "par" espanhol que o inspirou. Na Fundação onde instalou a sua corte, mandou calar sem cerimónias um membro da plateia que interrompeu o discurso de Sócrates com um comentário crítico, dizendo-lhe: "O senhor cale-se, está aqui como convidado mas também pode ser convidado a sair." .
Ora aí está. Para quem sempre fez da liberdade de expressão uma bandeira, não está mal...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Música

Continuo com música. Sempre que tenho que me concentrar, pensar seriamente em alguma coisa ou tomar decisões importantes, é a música que me proporciona o pano de fundo ideal para tudo isso. É uma aliada indispensável, que nunca me falhou.
Não tenho um género específico: a escolha depende do momento, da minha intuição, do assunto que pede reflexão. Toda a música me pode inspirar ou ajudar a encontrar-me. Hoje, não sei porquê, é Puccini que me apetece ouvir. Aqui está o mestre em todo o seu esplendor, ampliado pela belíssima voz de Angela Gheorghiu.

(O mio babbino caro - Madama Butterfly / G. Puccini)

O mio babbino caro, mi piace è bello, bello;

vo'andare in Porta Rossa a comperar l'anello!

Sì, sì, ci voglio andare! E se l'amassi indarno,

andrei sul Ponte Vecchio, ma per buttarmi in Arno!

Adenda: E pronto, cá está ela: a maravilhosa Dame Kiri Te Kanawa, em honra de um novo comentador deste blog. E, assim, já são duas as senhoras que ameaçam atirar-se ao Arno do alto da Ponte Vecchio, se o seu amor não for correspondido. Em Florença, até um suicídio tem outro estilo.

Adenda 2: E vão três. A bela Anna Netrebko junta-se à festa, e de repente descobrimos que Puccini também pode ser muito sensual. Eu não digo que trato muito bem os meus comentadores? Melhor é impossível!

Into the light

Já tinha saudades de ouvir isto:



(Gerry Rafferty - Right Down The Line )

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Under my skin


(M.C. Escher)



(I've got you under my skin - Michael Bublé)
Don't you know, you fool,
you never can win?
Use your mentality,
wake up to reality.
B
ut each time I do,
just a thought of you
makes me stop, before I begin.
'Cause I've got you under my skin...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Miss Saudade


A revista on-line alemã "KulturAustausch" promoveu um curioso concurso para eleger a palavra mais bonita do mundo. A votação foi entregue aos leitores, mas desconheço os critérios que presidiram à eleição. A fonética? O significado? Não faço ideia. Mas acho a ideia original e por isso a divulgo aqui.
Yakamoz, uma palavra turca (olá, Istambul!) que significa "o reflexo da lua na água", foi a grande vencedora. Em segundo lugar ficou Hu lu, a palavra chinesa para "ressonar" (?!) e em terceiro Volongoto, que quer dizer "caótico". A nossa Saudade (considerada intraduzível, curiosamente), ao que parece ficou em 6º lugar - uma honrosa classificação, sobretudo se tivermos em conta que cerca de 2.500 pessoas, de 58 países, a escolheram antes de milhões de outras.
Gostei deste concurso de beleza, entre palavras. Parabéns à nossa Miss Saudade.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Nada de novo a oeste




É bom afastarmo-nos algum tempo dos can-cans caseiros, para mudar de cenário e arejar as ideias. Mas, quando chegamos de viagem, temos a sensação de ter estado noutro planeta e de já nada saber do que se passa por cá.
Li hoje a longa crónica do Alberto Gonçalves, no DN, um óptimo resumo dos últimos acontecimentos que têm agitado o burgo. E fiquei mais ou menos esclarecida. Afinal, não há nada de dramaticamente diferente por cá (dramático é quase tudo o que toca à nossa economia, mas não é novidade). Tudo previsível: um primeiro ministro que continua a rir-se na nossa cara, à descarada; o costumeiro inchaço de certos egos nacionais; a pirotecnia inconsequente dos políticos, a disfarçar misérias; algumas intrigas e escândalos sociais em versão miniatural, a apimentar conversas de cabeleireiro.
Enfim, nada de novo a oeste. O meu país do costume, a ver a banda passar.

sábado, 5 de janeiro de 2008

O dia em que o rei fez anos


Parabéns pelos reais cumpleaños, majestade!
Que conte muitos, a mandar calar quem não devia abrir a boca.

De Istambul, com amor

Entre mim e Istambul há uma paixão antiga. Começou há muitos anos, com um pianissimo e inocente flirt que prometia grandes voos, mas afinal se deixou adormecer devagarinho e acabou por ser cilindrado pela voragem da vida. Mas o limbo do tempo manteve a paixão viva, porque voltou agora, em cheio, sem sequer se fazer anunciar.

É um mundo que tem muito em comum comigo: ambos vestimos várias peles, ambos gostamos de mistério e de exotismo, ambos somos feitos de uma matéria absorvente, flexível, em permanente mutação.
Talvez por isso me sinta tão bem lá. Costumo ter facilidade em fundir-me com os sítios onde vou, e em poucos dias tenho alma de nativa. Mas em Istambul isso foi-me especialmente fácil e natural. A cidade oferece as suas muitas faces a quem a quiser descobrir, mas há que respeitá-la e entendê-la para fruí-la inteiramente.

Além disso, uma viagem a Istambul é para nós, portugueses, uma alucinante e surpreendente descoberta de muitas das nossas origens e tradições: de repente, entramos na belíssima Mesquita Azul (nesta viagem, eu acordava e adormecia com a mágica imagem da mesquita em grande plano, emoldurada pela janela do meu quarto... como não sonhar com garbosos Aladinos, sobrevoando os minaretes nos seus tapetes ondulantes?) e descobrimos, fascinados, o catálogo completo de padrões das nossas chitas de Alcobaça estampado em azulejos e frescos, decorando paredes, arcos e abobadilhas; dobramos uma esquina e o inconfundível cheirinho de castanhas assadas invade-nos as narinas, vindo de um carrinho igual aos nossos (pré-ASAE, claro), com um vendedor que as arruma uma a uma, criteriosamente; no deslumbrante Harém do palácio Topkapi encontramos ruas inteiras de pequenos seixos rolados, pretos e brancos, em desenhos caprichosos que nos revelam, sem enganos, a genealogia da calçada portuguesa; um eléctrico (rigorosamente igual aos nossos à excepção da cor, que é encarnada) desce uma rampa íngreme e traz-nos de volta a casa, a Lisboa, num lance de magia; sobre a ponte Gálata comemos uma espécie de sardinha assada sobre o pão, como se estivéssemos na Madragoa ou em Alfama.
E há muitos mais paralelismos: a luz de Istambul é a mesma luz gloriosa de Lisboa, de um branco azulado que não há em mais sítio nenhum, que eu saiba; o Bósforo tem quase a largura do Tejo, com uma Cacilhas asiática em frente, na outra banda, e uma ponte de ferro que apenas difere da nossa no tamanho; a cozinha, mediterrânica como a portuguesa, tem sabores que reconhecemos facilmente e outros que deixámos que se perdessem, com a globalização que já nos engoliu; a simpatia feita de manha, o improviso, a marosca, o fatalismo e outros atributos que nos caracterizam, também a nós, fazem dos turcos uma espécie de portugueses exóticos, mais sensuais e ainda mais aldrabões. Em todas as lojas nos oferecem um delicioso chá fervente de maçã, um ritual sagrado e irrecusável que acompanha o despique da negociação obrigatória de cada compra até à redução do preço a um terço do inicial. O Grande Bazar, com as suas quase 5.000 lojas, é um abismo de tentações. E o Bazar Egípcio (também chamado Bazar das Especiarias) um festim para os sentidos, sobretudo para os gastrónomos como eu.

Istambul é um verdadeiro caleidoscópio: ora nos sai Bizâncio, no seu esplendor de mosaicos de ouro e cores deslumbrantes (o exemplo mais impressionante é a igreja de São Salvador de Chora, um comovente bastião da fé cristã em terras islâmicas, com paredes e tectos cobertos de cenas da Bíblia, de uma beleza rara e em óptimo estado de conservação); ora nos sai Constantinopla, imponente como o império que a baptizou e que por lá deixou vestígios inigualáveis (como a maravilhosa Cisterna da Basílica ou Hagia Sophia, a irmã cristã da Mesquita Azul e uma majestosa manta de retalhos de cultos religiosos); ora nos sai um poderoso marco otomano, com incontáveis mesquitas cujos altifalantes nos minaretes, que propagam arrepiantes litanias de apelo à oração, 5 vezes por dia, e que transformam a cidade (sobretudo ao entardecer, quando começam a iluminar-se) num cenário das mil e uma noites; ora nos sai, finalmente, uma metrópole moderna e fervilhante do lado de lá das pontes, piscando o olho ao ocidente e aspirando por um lugar ao sol da Europa.

Não fosse a Ásia e os seus conflitos, sempre tão omnipresentes, e o sonho estaria mais perto. Mas não é possível ignorarmos, por exemplo, um grupo de mulheres embiocadas em trapos pretos, escondidas atrás de uma grade e separadas dos todo-poderosos homens, no simples acto de rezar, numa mesquita, ao mesmo Deus. Ao mesmo? Não, não pode ser o mesmo. As mulheres muçulmanas são, com toda a certeza, filhas de um deus menor. E é nesse ponto, de uma enormidade inultrapassável, que eu e Istambul nos zangamos e acabamos o romance.
Mas recomeçamos logo a seguir. Porque, afinal de contas, todos os amantes têm defeitos e qualidades.
Nota: A desarrumação do texto deve-se ao facto de eu estar destreinada e de não ter paciência para refazer tudo, até estar tudo em ordem. Como ainda não tenho comigo as fotografias da viagem, socorri-me de outras, encontradas na net. Eventualmente serão substituídas, mais tarde.